Recordista de bilheteria, filme na Netflix é um espetáculo avassalador e vai te deixar com o coração na boca

Recordista de bilheteria, filme na Netflix é um espetáculo avassalador e vai te deixar com o coração na boca

Há quem creia que o homem já traz na carne seu destino, pelo qual deverá responder quando chegar a hora, sendo ou não merecedor da redenção mediante a nova vida em que irá desfrutar dos prazeres que lhe foram negados em sua primeira vinda ao mundo. Dogmas budistas a exemplo de carma, julgamento e reencarnação vêm à superfície em “Along With the Gods: The Two Worlds”, uma história sem lugar para a monotonia em que Kim Yong-hwa expressa, como sói acontecer em produções sul-coreanas, uma visão um tanto desapegada, altruísta e estoica da jornada humana, sucessão de momentos desditosos nos quais somos obrigados a lidar com nossas fraquezas sozinhos, do começo ao fim. Com a ajuda do herói carismático que protagoniza a trama, o diretor e o corroteirista Ju Ho-min passam por cima dos habituais preconceitos que definem a compreensão de ocidentais no que tange aos milenares ritos espiritualistas que nunca haveremos de desvendar por inteiro, malgrado o filme se preocupe muito mais em divertir que doutrinar, mantendo a tradição de “Singwa Hamgge”, a série de quadrinhos virtuais em que foi inspirado. 

O bombeiro Kim Ja-hong enfrenta mais um dia comum em sua rotina de literalmente salvar almas do fogo, metáfora de que Kim Yong-hwa tira todo o proveito que consegue, até que despenca de um edifício em chamas ao resgatar uma menina. Ele pode ter não resistido um segundo à violência do choque contra o chão duro, mas o desempenho perspicaz de Cha Tae-hyun não deixa que o espectador note de imediato o que acontece, e parece que o trio de guardiões Deok-choon, interpretado por Kim Hyang-gi; Hewonmak, papel de Ju Ji-hoon; e Gang-lim, vivido por Ha Jung-woo, são figuras sobrenaturais produzidas pelo seu inconsciente.

Esclarecida a confusão, quem assiste fica sabendo junto com Kim Ja-hong que ele está morto e que, porter sido um modelo de virtude,tem o direito de ser submetido a sete julgamentos diários ao longo de 49 dias para que tenha a chance de tornar à vida, desde que ganhe a absolvição em quesitos comoviolência, impiedade, assassinato, traição, insensibilidade, mentiras e injustiça. Uma vez que se salve, seus tutores também estarão aptos a reviver, e então tem início uma verdadeira odisseia do quarteto pelos círculos mais baixos do inferno, tal como o florentino Dante Alighieri (1265-1321) descrevera em “A Divina Comédia” (1472), sua obra máxima, perseguidos por um espírito inferior.

O diretor instila na audiência a simpatia por Kim Ja-hong abusando da computação gráfica, que permite que o personagem central continue flanando por montanhas nevadas e atravessando os portais que separam o plano terreno dos outros domínios, todos em alguma medida encobertos de um azul metálico que a fotografia de Byung-seo Kim realça. Kim Yong-hwa dá  entender que seu paladino de dois mundos há de vencer a resistência dos deuses que não venera, mas sua saga só se conclui um ano depois, em “Along With The Gods: The Last 49 Days” (2018).


Filme: Along With the Gods: The Two Worlds
Direção: Kim Yong-hwa
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Ação/Fantasia
Nota: 8/10