Filme na Netflix vai tocar cada cantinho da sua alma e vai te fazer chorar até secar as lágrimas Divulgação / MM2 Entertainment

Filme na Netflix vai tocar cada cantinho da sua alma e vai te fazer chorar até secar as lágrimas

Fins de ano são bons períodos para que se faça uma análise criteriosa quanto ao que fizemos de certo, mas, sobretudo, a respeito de nossos fracassos. As derrotas, grandes e pequenas, estão na vida de todo aquele que ousa levantar-se da cama e enfrentar o mundo, sem garantia alguma, nem mesmo de que vá retornar para casa, processo hipoteticamente simplório, mas origem de boa parte de muito da filosofia que povoa o mundo.

“Olá, Fantasma!” sai de um pressuposto bastante específico e chega a todo adulto, seres que gastam um tempo incalculável tentando fugir de seu destino de solidão e dor. Hsieh Pei-Ju encontra uma maneira original de falar sobre a indesejada das gentes e em que medida ela norteia o cotidiano e as vontades dos homens, principalmente num dado momento da existência. A morte é um aspecto até meio óbvio da vida, embora ninguém nunca a procure, por mais desalentado que esteja. Se ela entra na roda é por mero contrabando, por não se poder achar a solução para os temas que perturbam a ordem da natureza humana, esquecendo-se muito oportunamente que somos feitos do mais puro caos.

A celebração do Ano Novo Lunar movimenta a economia e o trânsito. Milhões de pessoas lotam as rodovias e os aeroportos de Taiwan para passar o feriado com os seus, e as estações de trem são obrigadas a restringir o acesso às plataformas. Em algum lugar escondido do subúrbio, um homem de 27 anos se deixa hipnotizar pelo gesto de arrancar pílulas da cartela, como se tivesse descoberto um jogo tão divertido quanto perigoso.

É fácil supor o que molesta Hsu Chen-wei, um entregador que parece sempre no fio da navalha, morando no casebre de lata em que se isola depois de um dia de trabalho extenuante, sem paciência para interações sociais. A diretora o apresenta num quarto de hotel, irritantemente azul na fotografia de Jake Pollock, mas deslocado da mesma forma, sobrando, dominado pela melancolia. Jing-Hua Tseng encarna essa nuvem trevosa, ávida por dar cabo da própria vida, e o roteiro de

Chou Ching-wen lança mão de todos os recursos a seu dispor para elevar à potência máxima o sofrimento do protagonista, desdobrado nas sequências aturdidoramente tragicômicas em que Hsu surge apoiando o pescoço no laço de uma corda ou a levar ao pulso a lâmina de uma faca — e, por uma razão só que vem à superfície na undécima hora, malogrando em todas as ocasiões. Nãoé diferente com os comprimidos, mas dessa vez uma mágica qualquer o cerca.

Hsieh imprime personalidade a seu trabalho, apartando-o de comparações com “Hello Ghost” (2010), a animação do sul-coreano Kim Young-tak, com a ajuda do elenco de carne, osso e muito sentimento. Sutil e agressivo a um só tempo, a nova leitura da trama preza pelas interpretações, a começar por Tseng Jing-hua.

Quando percebe que outra vez não pôde realizar o sonho de colocar fim a sua agonia neste plano, Hsu se dá conta também que não voltou sozinho do além-mundo. O primeiro dos abantesmas, um sujeito topetudo numa jaqueta espalhafatosa, fuma a seu lado na enfermaria, sem se importar com possíveis repreensões; a segunda, uma mulher gorda e algo exuberante, chora dentro do arquivo onde ficam os prontuários, e a eles juntam-se ainda um garoto de sete ou oito anos e uma senhora septuagenária.

A partir de então, o personagem de Tseng passa de uma confusão a outra, dirigindo com a habilitação que pertencia ao fumante, ou experimentando vestidos quando tomado pelo espectro da mulher, com Chang Zhang-xing e Tsai Jia-yin alternando-se de lances engraçados para os de vívida abordagem dramática, até que Hsieh erige um flashback de cerca de duas décadas e resolve o mistério dos suicídios que nunca se consumam, evocando uma lembrança bloqueada de Hsu.

Alegoria contundente e delicada sobre o valor das experiências, “Olá, Fantasma!” acaba sendo uma ode à esperança, cuja narrativa amalgama o ontem e o agora, os dois igualmente preciosos. O presente só faz sentido se alicerçado no que fomos um dia, e esses nossos outros eus acompanham-nos pela eternidade, para onde vamos sem aviso. E inspirando saudades os de mais sorte. 


Filme: Olá, Fantasma!
Direção: Hsieh Pei-Ju
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10