Obra-prima quase perfeita do cinema brasileiro está na Netflix Divulgação / Fado Filmes

Obra-prima quase perfeita do cinema brasileiro está na Netflix

Karim Aïnouz é um dos maiores cineastas da atualidade. Com mais de 30 trabalhos no currículo, sua carreira se destaca não apenas pela quantidade de filmes lançados, mas principalmente pela qualidade. Com várias obras aclamadas por críticos do mundo todo, ele é o nome por trás de “Madame Satã”, “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo””, “Praia do Futuro”, “A Vida Invisível”, dentre outros. Premiado no Festival Internacional de Cinema de Berlim, em Cannes, no Festival de Cinema de Chicago, no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, no Festival de Denver, além de vários outros, o realizador cearense traduz a realidade nua e crua do Brasil para as telas e para o mundo.

Mas a ironia disso é que apesar de toda a brasilidade que pode ser tateada em boa parte de sua obra, Karim deixou o país na década de 1980. Primeiro, ele se mudou para Paris. Depois, para Nova York, onde começou a fazer cinema. Filho de um argelino com uma brasileira, ele sentiu desde sempre uma espécie de não-pertencimento em sua própria terra. E não falo apenas sobre sua cidade ou estado, mas seu país. Homossexual, ele conta em entrevistas que “fugiu” do Brasil por ser um lugar homofóbico e marginal. Além disso, aqui ele não tinha meios para realizar seu trabalho artístico. Precisava sair, ver o mundo, respirar fora da caixa. Hoje, ele reconhece que o Brasil faz parte de sua identidade, mas não é a sua identidade.

Em “O Céu de Suely”, título aclamado de 2006, sua protagonista, Hermila (Hermila Guedes), assume o codinome Suely para vender uma rifa. O prêmio: uma noite no paraíso. Com ela. Ambientado em Itagu, no sertão central do Ceará, Karim retrata a passagem de Hermila na periferia onde cresceu. Itinerante, ela acaba de retornar de São Paulo, onde vivia com seu companheiro, Matheus, e com quem teve um filho de mesmo nome. Ela chega com a criança no colo e é recebida em um posto de combustíveis por tia Maria (Maria Menezes). Durante sua estadia, ela fica hospedada na casa da avó Zezita (Zezita Matos).

Com a promessa de um casamento, Hermila vai à rodoviária onde espera Matheus retornar em um dos ônibus vindos de São Paulo. Ele não chega. Ela telefona e recebe a notícia de que ele se mudou. Para onde? Não avisou. Aos 20 anos, Matheus não quer compromisso. Hermila diz que quer vê-lo atropelado por um caminhão.

Então, começa sua empreitada para angariar fundos por meio de uma rifa para comprar passagem para qualquer lugar bem longe dali. Entre bailes, butiquins, mercearias e ruas, ela oferece a rifa vendida a dois reais para grupos de homens interessados, mas que tentam negociar o valor e a forma de pagamento por considerar que talvez o serviço e o produto não entreguem o que promete.

Enquanto isso, Hermila retoma romance com um antigo namorado, o mototaxista João (João Miguel), que parece nunca tê-la superado. Ele a segue romanticamente pelas ruas da cidade, pedindo para que ela esqueça Matheus e prometendo comprar toda a rifa. Mesmo após uma noite de amor em um motel da cidade, Hermila não se ilude. Não quer saber de Matheus e nem de João. Só quer vender a rifa e sair de Itagu.

Conforme os números são vendidos, a reputação de Hermila como prostituta se espalha. A vó lhe esbofeteia e a obriga a pedir perdão. De forma sutil, o filme analisa a busca de Hermila pela liberdade, tanto sexual quanto sua por inteiro. Como Karim, Hermila não pertence exatamente aquele lugar. Neste filme, assim como em “Madame Satã”, Karim nos apresenta personagens presos em estruturas machistas e estritas, em busca de seu lugar ao sol, de sua liberdade e felicidade.


Filme: O Céu de Suely
Direção: Karim Aïnouz
Ano: 2006
Gênero: Drama
Nota: 9/10