Primeiro filme da franquia, que desafiou os limites do medo no cinema, está na Netflix Divulgação / Lionsgate

Primeiro filme da franquia, que desafiou os limites do medo no cinema, está na Netflix

No alvorecer do século 21, o cinema de terror foi brindado com uma nova perspectiva que procurava resgatar a visceralidade perdida em produções que abusavam dos efeitos especiais. Em 2004, a película dirigida por James Wan e roteirizada por Leigh Whannell, “Jogos Mortais”, irrompeu nos cinemas com a promessa de desafiar os limites do medo e da ética humana, mas será que conseguiu?

A premissa é enganosamente simples: dois homens acordam acorrentados em um banheiro imundo, sem memória de como chegaram ali, enquanto uma voz gravada os impõe a um jogo macabro de sobrevivência. A atmosfera de clausura é palpável, e Wan faz questão de que o espectador se sinta tão preso quanto os protagonistas. Porém, onde “Jogos Mortais” tenta se elevar além de um enigma sangrento, por vezes tropeça na própria complexidade que tenta construir.

O antagonista, conhecido como Jigsaw, é introduzido como um maestro de torturas que defende sua filosofia de valorização da vida por meio de jogos mortais. A ironia é clara e intencional, um paradoxo que tanto choca quanto intriga. No entanto, a narrativa nem sempre sustenta essa complexidade, desviando-se para armadilhas e choques visuais que, embora eficazes, não são suficientes para manter a coerência filosófica pretendida.

O desenrolar da trama é um intricado cabo de guerra entre a sobrevivência física e o desespero psicológico. Wan utiliza-se de uma narrativa não linear que adiciona camadas à história, mas, por vezes, essa técnica se mostra mais confusa do que esclarecedora, perdendo o espectador em seus próprios nós.

Quanto à atuação, destaca-se Tobin Bell, cuja interpretação de Jigsaw é pontuada pela calma perturbadora, um contraste efetivo às expressões desenfreadas de terror de suas vítimas. Cary Elwes e Leigh Whannell entregam performances que oscilam entre o desespero convincente e o melodrama, um equilíbrio nem sempre bem administrado.

Em termos de impacto, “Jogos Mortais” indiscutivelmente deixou sua marca, incitando uma série de sequências e uma legião de seguidores. Com um orçamento modesto de pouco mais de um milhão de dólares, a receita ultrapassou os 100 milhões globalmente, uma façanha notável que demonstra o apetite do público por um terror que não teme se sujar de sangue falso.

O filme também desencadeou debates sobre a representação de violência e tortura no cinema, com alguns críticos acusando-o de flertar perigosamente com a “tortura pornográfica”, um termo que se tornaria mais prevalente com o passar dos anos. Apesar disso, ou talvez por isso, “Jogos Mortais” permanece um marco no gênero, não pela perfeição de sua execução, mas pela ousadia de suas intenções.

Embora não seja imune a críticas, o legado de “Jogos Mortais” reside na maneira como desafiou expectativas e extrapolou os contornos usuais do terror. Não obstante seus deslizes narrativos e ocasionais afundamentos em charcos de gore gratuito, o filme de James Wan é um espelho turvo que reflete nossas próprias obsessões com o abismo entre a vida e a morte, um tema tão antigo quanto o próprio medo.


Filme: Jogos Mortais
Direção: James Wan
Ano: 2004
Gêneros: Terror/Mistério
Nota: 9/10