Uma das maiores obras-primas do cinema brasileiro está na Netflix Divulgação / CinemaScópio

Uma das maiores obras-primas do cinema brasileiro está na Netflix

Kleber Mendonça Filho é um dos maiores nomes do cinema nacional e, embora ele já tenha décadas de uma vasta experiência em seu currículo, ele só se tornou amplamente conhecimento com “O Som ao Redor”, longa-metragem lançado em 2012 e que colocou seu nome no mapa do cinema internacional. Aclamado por críticos do mundo todo, a produção elevada ao status de obra-prima abriu portas para que novos trabalhos extraordinários e ainda mais populares do cineasta chegassem às salas de exibição, como “Aquarius” (2016) e “Bacurau” (2019).

Extremamente autêntico, “O Som ao Redor” pode provocar certo estranhamento em espectadores desavisados. O longa-metragem é um filme comum, com organização temporal linear e uma lógica de roteiro fácil de entender. Nem tudo aqui habita o óbvio e é preciso procurar linhas invisíveis para além do que nos é apresentado.

O enredo se passa em uma rua de classe média de um bairro de Recife, em Pernambuco. Kléber Mendonça Filho explora a vida cotidiana desses moradores, que devido ao sentimento generalizado de insegurança contratam Clodoaldo (Irandhir Santos) como vigia da comunidade. Conforme a trama se desenrola, percebemos que o cineasta nos está contando uma história ainda mais profunda, costurada nas entrelinhas, que trata das profundas desigualdades sociais e as tensões provocadas por isso.

Kléber explora mais as imagens que os diálogos, mas o silêncio também tem uma representação: ele simboliza a opressão. Ao mesmo tempo, ele estoura sons que rasgam os ouvidos, propiciando uma sensação de realismo. Nem mesmo o uso do som é obvio. Ele surpreende o espectador. Já a cinematografia de Pedro Sotero, em colaboração com Fabrício Tadeu, traça os parâmetros contraditórios da beleza e da decadência das paisagens urbanas de Recife. Suas câmeras em movimentos e planos detalhados nos transformam em espectadores da vida daquela comunidade.

Com um elenco predominantemente anônimo, Kléber Mendonça Filho optou para que os rostos de seus personagens não fossem tão conhecidos do público, justamente para dar aquela sensação de que estamos lidando com pessoas comum, naturais, aproximando e envolvendo o público de sua história. Recife em si é a grande protagonista do filme, porque são suas paisagens e sua presença que são fundamentais na construção da narrativa. A rua retratada era, na época, a que o cineasta morava. Inclusive, uma das locações usadas era residência de Kléber.

Uma produção que desafia as convenções tradicionais do cinema, a abordagem única usada por Kléber em sua narrativa, além de suas técnicas inovadoras, o destacam como uma das obras mais relevantes do cinema brasileiro contemporâneo. Como uma peça de arte, Kléber desperta incômodo, estranhameento, aversão, dúvidas e nos faz refletir sobre como a violência se tornou tão trivial no cotidiano urbano e sobre as complexidades das questões de classe e poder na sociedade brasileira.

Gravado em seis semanas em Recife e na Zona da Mata, o filme levou cerca de dois anos para ser concluído, da pré à pós-produção. Submissão do Brasil ao Oscar de 2014, o filme não chegou a concorrer na premiação da Academia, mas disputou diversas outras premiações em todo o mundo e rendeu para Kléber Mendonça Filho a estatueta de melhor diretor no Festival Internacional de Filme de Rotterdam.


Filme: O Som ao Redor
Direção: Kléber Mendonça Filho
Ano: 2013
Gênero: Drama/Suspense
Nota: 9/10