Remédio para alma e carinho no coração, filme da Netflix vai melhorar seu dia Divulgação / Netflix

Remédio para alma e carinho no coração, filme da Netflix vai melhorar seu dia

Há quem diga que não existe a menor hipótese de uma família estar completa sem filhos, os adoráveis monstros descritos por Vinicius de Moraes (1913-1980) em seu “Poema Enjoadinho” (1953). Sim, crianças são irrequietas por natureza, podem ser especialmente cruéis quando querem, bebem xampu por mais que lhes advirtamos do risco de algum malogro sem antídoto, tocam fogo no quarteirão se entediadas, mas acabam sendo mesmo as lindezas desvairadas que se vê no último verso. Não por acaso o nascimento de uma criança pode ter o condão de refazer laços que se tinham esgarçado de há muito, sufocar ódios atávicos, instigar amores que se perderam na bruma corrosiva do tempo, e “Kandasamys: O Bebê”, valida todas essas proposições, bollywoodianamente, é claro. A diretora Jayan Moodley usa de um humor básico, intuitivo, a fim de incluir o público na história, ainda que não ignore a máxima tolstoiana e saiba que famílias contam também desgraças, e nisso sempre hão de ser únicas entre si. Essa é a deixa para que sinta-se à vontade em meter sua colher em assuntos muito sérios.

No quarto longa da franquia, a proposta do roteiro de Moodley e Jailoshini e Yugan Naidoo é fazer com que o espectador se reconheça no que é contado ainda que seja seu primeiro contato com a saga dos Kandasamys. Aqui, depois de serem apresentados com a pompa de uma família de subcelebridades da internet, em 2017, terem protagonizado um casamento que, guardadas as proporções devidas, explica muito do que acontece agora, os Kandasamys — e sobretudo duas personagens em particular, como se assiste no terceiro filme — se derretem com a chegada do primeiro filho, do primeiro neto, do sol de suas vidas. Shanthi e Jennifer, as mães, sogras e agora, mais que qualquer outra coisa, avós, não estão dispostas a permitir uma heresia (por mero desconhecimento, claro) de Prishen e Jodi, como deixar que falte ora o leite do peito, ora o de vaca na amamentação do neto. Maeshni Naicker e Jailoshini Naidoo encarnam essas sombras avoengas um tanto pesadas sobre as vidas dos filhos, mas tudo em nome do bem-estar da criança. A diretora pinça da realidade episódios deliciosamente verossímeis, sem tomar partido de nenhum lado, até que a balança, como não poderia ser de outro modo, começa a pender, por óbvio, para os terríveis carinhos das matriarcas, que ganham a amizade da plateia graças ao comportamento desleal dos novos pais. Vivido por Madhushan Singh, Prishen, o filho de Shanthi, e Jodi, interpretada por Mishqah Parthiephal, apresentam o novo membro dos Kandasamys às avó paterna e materna, e voltam correndo para as Ilhas Maurício, uma terra paradisíaca para além de Madagascar, onde moram, já pensando em cair no mundo mais uma vez.

No terceiro ato, Moodley quebra a leveza de seu filme com o nobre propósito de conscientizar sobre a depressão pós-parto, muito mais comum do que se imagina e, em dada medida, tabu quase tão opressivo quanto a supressão propositada de descendentes na vida de um casal. Filhos podem ser a melhor ou a pior notícia da vida de alguém; em sendo a melhor, que seja para todos — de preferência, na justa medida para cada um.


Filme: Kandasamys: O Bebê
Direção: Jayan Moodley
Ano: 2023
Gêneros: Comédia
Nota: 8/10