Uma das histórias de amor mais poderosas e inesquecíveis do cinema está na Netflix e vai partir seu coração Divulgação / The Weinstein Company

Uma das histórias de amor mais poderosas e inesquecíveis do cinema está na Netflix e vai partir seu coração

Casar-se é uma aposta no incerto. O amor ardente e, por vezes, cego entre duas pessoas não assegura um relacionamento sereno, ancorado na maturidade emocional que só se solidifica após longos períodos de introspecção e experiência conjunta. Curiosamente, esse amor intenso pode tornar-se o epicentro dos problemas conjugais, pois sua evolução frequentemente obscurece sua natureza original.

“Blue Valentine”, sob a direção perspicaz de Derek Cianfrance, ilustra as complexidades neuróticas da convivência a dois, explorando a maturação e os obstáculos do amor por meio de seus personagens centrais, Dean e Cindy Heller. Embora inicialmente imersos em amor, sua relação é igualmente permeada por uma certa precipitação, uma exuberância em declarar ao mundo sua descoberta eufórica de um sentimento que parecia transcendental. É nessa precipitação que o equilíbrio delicado do relacionamento começa a vacilar.

Ryan Gosling e Michelle Williams, retratando Dean e Cindy, navegam pela tormenta que é o relacionamento dos personagens antes mesmo do mítico sétimo ano, um período frequentemente marcado por turbulências conjugais. No entanto, essa teoria, muitas vezes propagada por terapeutas e literatura de autoajuda, carece de comprovação empírica. A realidade é que a dinâmica de cada relacionamento é única, e tentar encapsular a experiência conjugal numa fórmula predefinida é tão absurdo quanto tentar calcular a demografia global com base em uma equação simplista. Infelizmente, essa simplificação é frequentemente comercializada de maneira irresponsável.

O dilema dos personagens ressoa com a sagacidade de Machado de Assis, que observou a ironia da confusão humana ao misturar amor e matrimônio, fé e religião. Essa confusão, muitas vezes exacerbada pela falta de discernimento ou pela relutância em enfrentar a realidade, é vividamente representada na jornada de Dean e Cindy. Eles se encontram presos num redemoinho de expectativas irreais e pressões sociais, esquecendo-se de que o verdadeiro amor transcende os rituais e as convenções e está mais alinhado com uma forma divina e incondicional de compromisso.

O filme captura a trajetória de transformação dos personagens, desde o momento eufórico do reconhecimento mútuo até as responsabilidades e desafios inerentes ao casamento. A chegada prematura dos filhos, por exemplo, é um ponto de inflexão significativo na vida do casal, exigindo uma redefinição do amor e da responsabilidade. Infelizmente, a incapacidade de se adaptar a estas novas dinâmicas muitas vezes deixa crianças, como Frankie no filme, em situações vulneráveis, testemunhando o colapso do relacionamento de seus pais.

As atuações de Gosling e Williams são uma janela para a alma de seus personagens, mostrando a evolução de Dean e Cindy de maneira crua e intransigente. Gosling, conhecido por seus papéis em “Drive” e “Blade Runner 2049”, abandona sua persona de galã para encarnar Dean, enquanto Williams captura a essência frágil e conflituosa de Cindy, uma atuação que ecoa suas representações anteriores em filmes como “Manchester à Beira-Mar” e “O Segredo de Brokeback Mountain”.

Cianfrance, com uma escolha narrativa acertada, evita clichês melodramáticos e se concentra na autenticidade das lutas conjugais, desvelando a transição do amor efervescente para uma forma mais lúgubre e irreconhecível de afeto. “Blue Valentine” é uma tapeçaria de emoções humanas, desenhada com os fios da realidade cotidiana e tingida com as nuances do coração humano.


Título: Blue Valentine
Direção: Derek Cianfrance
Ano: 2010
Gênero: Romance / Drama
Nota: 9/10