Desligue seu cérebro e curta o filme mais insano e maluco da Netflix

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O apocalipse é uma daquelas obsessões macabras de que o homem não consegue se livrar, até porque é ele mesmo seu grande patrocinador. A catástrofe que ninguém pode evitar de que fala em “O Núcleo — Missão ao Centro da Terra” tem início justamente depois da avalanche de incúria, negligência e ambição sem medida que gente muito bem-intencionada transforma numa agressão sem precedentes na História, proposição vesana, decerto, mas de que não se ousa duvidar, porque jamais se vai saber o quão longe podemos ir na destruição do planeta, a casa que somos obrigados a partilhar, a única a oferecer-nos as inúmeras condições de vida de que precisamos tanto. Assumidamente exagerado, o filme de Jon Amiel repisa clichês ao passo que não se cansa de inventar jeitos de provocar no espectador o gosto por essa trama pouco crível, raspando no nonsense mais efervescente, seja com a fotografia bem-cuidada de John Lindley, seja pesando a mão no ritmo da montagem, tarefa de que Terry Rawlings (1933-2019) dá conta com folga. Ao cabo de 135 minutos, fica a certeza de que a Terra parece mesmo um amontoado de seres biologicamente organizados e estruturas não-vivas fundindo-se numa só massa de caos incontornável, pendurada num universo que não a suporta, derretendo ao calor da estrela que outrora nos possibilitava nascer e morrer com alguma dignidade.

Antes de crianças ficarem aterrorizadas com pombos que caem mortos sem explicação, o texto de Cooper Layne e John Rogers celebra um tal Dia do Mundo Verde, raro momento de que os roteiristas dispõem para exercitar a forte veia de sarcasmo que um enredo como este pode ter. Um parque de diversões cheio definitivamente não é o cenário mais adequado para se pensar em temas escatológicos; contudo, é este o ponto de onde “O Núcleo” sai a fim de elencar uma sucessão de tropos sem qualquer relação lógica entre si, a exemplo do relógio importado de um homem de negócios que para de repente, o que já se liga à próxima cena, e a partir daí, Amiel entra mais objetivamente no conceito em que a narrativa se alicerça. A exposição de Josh Keyes, em palestra para oficiais das Forças Armadas americanas, é direta: o eixo terrestre está descompensado, o centro interno do planeta é incapaz de distribuir as ondas de calor que recebe do sol e, em menos de um ano, toda forma de vida a habitar o globo resumir-se-á a planícies e planaltos sem fim de cinzas e carne estorricada. Keyes, uma figura que vai-se moldando conforme as demandas de quem o ouve, e Aaron Eckhart, primeiro uma espécie de consciência crítica dessa humanidade à beira de um ataque de nervos, perde espaço para o coronel Robert Iverson, de Bruce Greenwood , o piloto da nave que, acionada por um pequeno reator nuclear experimental, desloca-se a 65 nós por segundo, na tentativa de reposicionar o planeta sobre sua própria base. Uma viagem em que nem Júlio Verne (1828-1905) atreveu-se a pensar.

A solução deus ex machina que Amiel tira da cartola no terceiro ato, conectando panes de softwares a hecatombes inclementemente vigorosas que acabariam com o gênero humano sem chance de defesa, mina bastante a expectativa de um desfecho à altura da insana geleia geral que o diretor mostra em “O Núcleo — Missão ao Centro da Terra”, fusão de “Duna” (1984), dirigido por David Lynch, com o posterior “Não Olhe para Cima” (2021), levado à tela por Adam McKay, e das poucas empreitadas contraculturais que Hollywood se permite. O fim do mundo pode ser a tecnologia e seu uso equivocado — eu acredito que será mesmo —, mas se é assim, por que falar de conspirações astronômicas de um universo que não nos dá a mínima?


Filme: O Núcleo — Missão ao Centro da Terra
Direção: Jon Amiel
Ano: 2003
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 8/10