Último filme de uma das franquias mais famosas da história do cinema acaba de estrear na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Último filme de uma das franquias mais famosas da história do cinema acaba de estrear na Netflix

Há maneiras diversas de se lidar com traumas e com um lado entre perturbador e sinistro que se pensa constituir nossa própria identidade: ou se esquece tudo de uma vez por todas, visando-se a erigir alguma coisa de verdadeiramente nova no lugar, ou fica-se um tempo que ninguém consegue determinar à cata de evidências que ratifiquem suspeitas fazem sentido apenas para nós mesmos. “Atividade Paranormal: Ente Próximo”, o sétimo título da franquia iniciada em 2007 por Oren Peli, continua firme em seu propósito de averiguar fenômenos inexplicaveis sob o prisma da ciência, mas aqui o diretor William Eubank socorre-se de um argumento deveras convincente, contra o qual ninguém se levanta sem que esteja devidamente munido das palavras certas.

Na tarde de dois de março de 2021, uma moça arruma o cabelo olhando-se contra o vidro do Denny’s, uma lanchonete na Indian Bend Road, a avenida que corta Scottsdale, no Arizona, sudoeste dos Estados Unidos. Margot descobriu há pouco que fora abandonada por alguém que, caso sua intuição e suas pesquisas tenham algum fundamento, é um parente e decerto tem as respostas para muito do que precisa saber. Eubank usa bem recursos técnicos como câmeras milimetricamente ajustadas e a fotografia atenta de Pedro Luque a fim de destrinchar lances excessivamente narrativos do texto de Christopher Landon e traduzir o amálgama de desespero e alívio da mocinha de Emily Bader ao ver um homem alto, magro, loiro, sem nada de especial sair do Uber e avançar poucos metros pelo estacionamento. Samuel é um Amish que aproveita o Rumspringa, o intervalo que a comunidade oferece aos jovens a partir dos dezesseis anos para que, literalmente, corram mundo e decidam se querem mesmo voltar. O roteiro de Landon carece de precisão neste ponto — não se consegue saber exatamente em que fase do processo o personagem de Jaye Ayres-Brown se encontra —, mas ganha ao registrar o desconforto recíproco entre Margot e Samuel, aproveitando para mencionar uma fina ironia que pode passar sem a devida nota. Fitas de vídeo assumem o estado de pragas que se alastram pela vida da protagonista desde que chegou ao mundo, e, agora, ela conta sua história diante de aparelhos que captam imagens mesmo em ambientes em que manter-se no escuro pode ser a diferença entre vida e morte.

Involuntariamente ou não, “Ente Próximo” soa como uma paródia estilizada de “A Bruxa de Blair” (1999), de Eduardo Sánchez e Daniel Myrick, especialmente depois de uma sequência em que Margot, já instalada na casa simples de um rancho Amish, revirando gavetas de um móvel avariado até botar as mãos numa carta em que se leem insinuações nada decorosas sobre os moradores da fazendola, que podem estar implicados em coisas muito mais graves que fabricar queijo de cabra ou abdicar de Wi-Fi e aplicativos de mensagens instantâneas. Algumas cenas adiante, quando a personagem central resolve descer como num rapel improvisado até o fundo de um poço com a ajuda de Chris, o amigo que presta-lhe todo o suporte de que é capaz, Bader e Roland Buck III permanecem juntos até o encerramento, quando, transcorridos doze dias do encontro com Samuel, Eubank torna explícito do que está falando, um dilema íntimo semelhante ao do pequeno anti-herói de “Um Lugar Secreto” (2021), dirigido por Pascual Sisto.


Direção: William Eubank
Ano: 2021
Gêneros: Terror/Fantasia
Nota: 8/10