Filme na Netflix vai acalmar seu espírito, elevar sua alma e te fazer acreditar em milagres Divulgação / Ubiversal

Filme na Netflix vai acalmar seu espírito, elevar sua alma e te fazer acreditar em milagres

Ser pai e mãe só faz sentido se multiplicadas a energia e o amor que afloram quando nos descobrimos tão apaixonados por alguém que nos perguntamos como pudemos viver tanto tempo sem aquele outro ser, cuja mera companhia ao cair de uma tarde gélida de outono apaga-nos da lembrança qualquer vestígio de tudo quanto não seja escancaradamente solar. “O Óleo de Lorenzo”, muito mais que um drama sobre percalços especialmente doídos da relação entre uma mãe, um pai e o filho que os une, é a história de amor que conhece, sim, limites, mas entende-os como uma circunstância oportuna em sua pungência para que o amor contorne as pedras e os espinhos da estrada e desponte ainda mais vigoroso, como se fosse mesmo a seiva que não cessa de nutrir a terra ainda que na estiagem mais brutal. 

O filme de George Miller é um exemplo daqueles filmes malditos, dos quais todos ouvimos falar, mas a que pouquíssimos assistem, por uma razão ou outra. Volto a ter contato com o lirismo barroco da história encampada por Miller depois de uma vida — confesso que não me recordo do momento exato em que deparei-me com esse enredo pela primeira vez, quem sabe quando da estreia, em 1992, talvez numa das sessões de audiovisual do Colégio Madre Carmen Salles (terá sido lá, ou numa matinê da Cultura Inglesa, onde assisti, sem erro, a “Marcelino Pão e Vinho” [1955], de Ladislao Vajda [1906-1965]?), aos dez anos, quatro a menos que Lorenzo Michael Murphy Odone (1978-2008), o herói cuja imagem fui resgatando dos borrões amorfos com que o tempo vai se fazendo perceber ano após ano. O roteiro, do diretor e Nick Enright, menciona no prólogo o canto de guerra suaíle que determina que a vida só faz sentido na luta, porque a vitória ou a derrota nos atribuem os deuses; Miller, um diretor versátil, para dizer o mínimo, que pode forjar as emoções de sua audiência tanto com a franquia “Mad Max” (1979-2015) como valendo-se da sutileza incômoda deste trabalho, usa esse gancho para começar a imensa linha do tempo pela qual se desloca a narrativa, ainda que apenas nove anos separem o início do fim. Os Odone voltam de uma temporada nas ilhas Comores, na África Oriental, em 1983, e não demora para que Lorenzo, vivido por seis atores, passe a apresentar distúrbios de comportamento marcados por acessos de raiva e a hiperatividade que o faz sofrer duas concussões cranianas em menos de um mês. Os exames não apontam nenhuma irregularidade na estrutura neurológica do menino, mas uma situação banal, só percebida por uma mãe atenta, joga a vida dessas três pessoas no turbilhão de que nunca mais conseguem se livrar.

Em abril de 1984, na Semana Santa, Lorenzo é diagnosticado com adrenoleucodistrofia, a ALD, uma doença genética rara caracterizada pelo acúmulo de gordura no sangue. Como o organismo não consegue metabolizar todo o lipídio, a gordura vai se acumulando, até corroer a mielina, o invólucro das células nervosas. É aí que Michaela, a mãe zelosa de Susan Sarandon, entende a postura agressiva do filho, a distrofia, a diafasia, que logo redundam numa descoordenação motora progressiva, e, enfim, na sua dependência, total e irreversível, dos pais. Augusto, o pai vivido por Nick Nolte, e Michaela se revezam nos cuidados com o filho, choram baixo, lamentam-se até que resolvem fazer o que recomendam os suaíles. Em 29 de junho de 1984, um mês depois do sexto aniversário de Lorenzo, os três seguem para Boston, onde Miller começa a dar a seu filme a cara com que fez-se conhecer.

A pesquisa sobre o tal óleo que batiza o filme, mistura de três quartos de ácido oleico para um de ácido erúcico resulta na sobrevida de Lorenzo, por mais uma década e meia, ao longo da qual Michaela e Augusto ressignificam o casamento e a própria vida, com as orientações tão involuntárias quanto pontuais do filho. Para uma moléstia que passa ao largo da ciência, um pesquisador que entende que a ciência é um norte, não o centro. A adrenoleucodistrofia segue sem cura, mas o óleo desenvolvido por Augusto Odone é, comprovadamente eficaz na redução dos danos da ADL. Lorenzo morreu homem feito, em 30 de maio de 2008, um dia depois de completar trinta anos.


Filme: O Óleo de Lorenzo
Direção: George Miller
Ano: 1992
Gêneros: Drama/Docudrama
Nota: 9/10