O filme subestimado com Keanu Reaves, na Netflix, que, definitivamente, vale a pena assistir

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Há maneiras distintas e, às vezes, complementares de se vivenciar um sentimento. No caso da lealdade, quiçá a maior prova de consideração por alguém, especialmente na tradição oriental, senhores ascendem às mais elevadas posições da hierarquia obrigando-se a experimentar na alma o fardo incômodo e necessário de responsabilizar-se pelas vidas daqueles que os servem. Por outro lado, vassalos dedicam a seus patrões além de anos de trabalho duro e privações de toda ordem, contentando-se com ter o pão e o teto, a confiança e a gratidão por se saberem respaldados dos perigos de que não se safariam por si sós. Pontuando essa narrativa com alguns dos inestimáveis mistérios do Japão feudal, “47 Ronins” desdobra tramas que parecem subjugadas para sempre à tirania invencível do passar do tempo, fulcrais para que se compreenda a história mesma do país daquela época e no que seu influiu para que chegasse ao século 21 como uma das nações mais desenvolvidas do planeta. Carl Rinsch consegue tirar bom proveito de um enredo de domínio público, mas que não sói agradar sempre, decerto por abordar temas que muitos fingem não entender.

Não por acaso o feudalismo no Japão alongou-se por um tempo para muito além do razoável, sob quaisquer aspectos de que se queira dispor. Por quase sete séculos, de 1185 a 1868, o sistema que permitiu que glebas a perder de vista permanecessem sob o domínio de um único clã, perpetuando dessa forma a injustiça social mediante a concentração de riquezas nas mãos de muito poucos, passou por um contrato social dos mais prosaicos e vantajosos para ambas as partes que, tomando-se o cuidado de refutar um determinismo de pouca serventia, acatavam-no honrando com suas responsabilidades sem os contratempos político-ideológicos das insurreições e revoltas. O roteiro etnicamente democrático de Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Hamada explica algumas das tantas idiossincrasias do enredo, a exemplo da transformação de samurai para ronin, o que costumava acontecer sempre que o servo falhava em seu dever ontológico de proteger, nessa sequência, a vida, a família e o legado de seu empregador, o daimyo. Tornar-se um ronin, como ensina o longo introito, é, sem dúvida, a maior ignomínia que pode abater-se sobre um guerreiro nipônico. A ponto de levar esse homem para sempre marcado pelo estigma do maior dos fracassos a cometer o seppuku é o ritual suicida por esventramento para afirmação da honra e o consequente resgate do espírito, conhecido no Ocidente por haraquiri. Uma vez imolado num espetáculo macabro e assumidamente teatral, o ronin era reabilitado como um verdadeiro samurai, pronto a acompanhar seu daimyo no outro mundo.

Keanu Reeves personifica Kai, o guerreiro mestiço que atravessa as quase duas horas de “47 Ronins”, com a dignidade que o papel exige, sendo ajudado pela acurada fotografia de John Mathieson, sobretudo nas sequencias que se desenrolam ao ar livre. Chamado não sem certo desprezo de Mestiço, Kai liga-se imediatamente a “Corações Sujos” (2011), o relato comovente do diretor brasileiro Vicente Amorim sobre como japoneses radicados no Brasil desde o começo do século 20 viram a merecida derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Entendendo-se que o filme se passa quando do desfecho da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ou seja, há mais de sete décadas. E essa história não tem fim.


Filme: 47 Ronins
Direção: Carl Rinsch
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Fantasia
Nota: 8/10