Crônica

Ensaio sobre a saliva

Ensaio sobre a saliva

Namorar era bacana, um trocadilho infame, um adjetivo que ninguém mais usa hoje em dia. Hoje em dia não deixa de ser uma espécie de redundância, eu sei, ora, que se dane. Prefiro ser redundante do que ser pedante. Naquela altura da vida, eu já estava me entendendo muito bem com os vírus e com as bactérias. Éramos brothers. Tinha perdido aquele medo besta de morrer. Vieram as novas paixões, outras namoradas estranhas e aquele gosto diferente em cada boca, aquele gasto descomunal de tempo e de saliva

A gente vira pedra depois que morre

A gente vira pedra depois que morre

Diz-se que o coração é o órgão vital responsável pelos sentimentos. Ora, um coração não sente bulhufas. Ele bombeia, cadente, escravizado pela esperança, vinte e quatro horas por dia, todo santo dia, como um soldado numa guerra já perdida, tomado por diligência e fé, até mesmo, um certo grau de desespero, frente àquelas situações irreversíveis, como a falência múltipla dos órgãos, quando nada mais dá certo, quando nada mais funciona a contento, quando nada resta a fazer senão parar de bater dentro de um corpo inexoravelmente falido.

Só pode ser brincadeira, sr. Feynman!

Só pode ser brincadeira, sr. Feynman!

Pensemos na terra, antes da existência humana. Quem apreciava a beleza dos jardins, dos mares, das cachoeiras? A quem encantavam? Quem inventou o prazer intelectual de pensar sobre tais coisas? São mistérios que desafiam a imaginação dos pobres mortais. E, até mesmo, dos poetas, dos filósofos e dos cientistas.

Velha demais para dar ouvidos aos idiotas

Velha demais para dar ouvidos aos idiotas

Não estou gostando nada nada nada dessa história de mamãe voltar a fazer aulas de dança do ventre. Eu sei que isso não é da minha conta, que não posso mandar na vida dela como ela já mandou na minha, um dia, quando fui criança. Se quiser dançar, dance, mamãe. Mas, por favor, se não for pedir muito, ao menos tape o ventre com alguma peça avulsa do seu vestuário de bailarina porque, senão, quem vai dançar sou eu.

Eu podia estar roubando, mas, estou apenas escrevendo poesia

Eu podia estar roubando, mas, estou apenas escrevendo poesia

Mastigo tão poucas vezes. Engulo os alimentos tão precipitadamente. Na autoridade dos seus 85 anos, mamãe, que anda devagar porque já andou depressa, pergunta que pressa é essa, meu filho. Ela adora ouvir Almir Sater. Amo a sua frágil meiguice. Tem Rivotril de sobra no colo dela, dentre outras redundâncias de bem-querer. Nunca me disse com a boca, filho eu te amo. Nem precisava. Calado, leio o que os vincos da sua pele apergaminhada têm a dizer.