Crônicas

Ganhar a vida é aprender a perder

Ganhar a vida é aprender a perder

Desde seus primeiros brinquedos desaparecidos na terra do quintal e as figurinhas engolidas pelos vãos do sofá, ele relembra suas perdas da vida inteira. Pensa em cada lugar esquecido, revisita planos abandonados, acena para amores passados, desculpa-se com amigos preteridos. E outra vez se dá conta de que, muito mais do que seus ganhos poucos, um homem se constrói a partir de suas tantas perdas.

Happy-hour para estupradores, cucarachas e afins

Happy-hour para estupradores, cucarachas e afins

O estupro foi tenso, mas, divertido. A primeira coisa que fizeram ao chegar àquele boteco copo-sujo foi esparramar sobre a mesa ensebada a féria do dia e pedir que o proprietário da espelunca — um conhecido, reconhecido e admirado traficante da comunidade do Caixote Quebrado — descesse rapidinho uma cerva estupidamente gelada, a fim de comemorarem o sucesso do ataque. Era meio que uma confraternização pela meta atingida, ferramenta de gestão muito utilizada pelos gestores de pequenas e médias empresas, vocês sabem, apesar da informalidade daquela corja.

Cada escritor tem os leitores que merece

Cada escritor tem os leitores que merece

Envelhecer é uma merda, sim, eu sei, é verdade. Mas, com o passar dos anos e algum grau de esforço observatório (tá bom: pensar cansa muito, é difícil, vá lá…), é possível chegar a algumas conclusões quanto à vida, às pessoas, especialmente à conjuntura amalucada do habitat em que se (sobre)vive. Com a velheira em andamento, eu descobri por exemplo que a maioria das gentes gosta dos feriados; de acordar tarde; do bife bem passado; do ovo com a gema mole; de apalpar nádegas durinhas; do coito sem camisinha; de chupar balinha; de reclamar do governo; de reclamar da sogra.

A chuva que varre os velhos ódios e a vida que brota em cada um de nós

A chuva que varre os velhos ódios e a vida que brota em cada um de nós

E no fim do trigésimo terceiro dia de calor desumano, uma chuva impetuosa varreu as ruas e as praças e os telhados das casas na terra abatida pela seca, a burrice e a falta de amor. Lá de cima, um batalhão de nuvens robustas disparava toneladas de água fria sobre a vida inflamada aqui embaixo, levantando do solo outras nuvens grossas de vapor e alívio em franca liberdade de volta ao céu.

Por que é mesmo que a gente usa drogas?

Por que é mesmo que a gente usa drogas?

Foi assim com o laureado ator americano. Foi assim com uma caravana de outras estrelas do cinema, da música, do show business, enfim. É assim com a legião de viciados incógnitos, pessoas comuns com hábitos e dependências tão comuns que os têm conduzido a uma miséria para lá de comum: a ruína da dignidade, o esfacelamento dos relacionamentos, o isolamento, a associação ao crime, a autodestruição por overdose. Mudam os atores, mas o roteiro do dramalhão permanece o mesmo.