Baseado em crime tenebroso que escandalizou a América, filme com atuação genial de Philip Seymour Hoffman está no Prime Video Divulgação / Sony Pictures

Baseado em crime tenebroso que escandalizou a América, filme com atuação genial de Philip Seymour Hoffman está no Prime Video

A fama tem seu preço. Ninguém esmerou tanto para comprovar a máxima que Truman Streckfus Persons (1924-1984), um dos escritores mais célebres e badalados que a América já produziu. Equilibrando-se entre a autorreferência e o talento genuíno, Truman Capote, um homem assumidamente excêntrico, tinha um faro para histórias que com linguagem a um só tempo sofisticada e sem rodeios acertava o público com longas descrições do que imaginava ou via. 

Depois do sucesso tranquilo de “Bonequinha de Luxo” (1958), que franqueou de vez sua entrada nas altas rodas de Nova York e Los Angeles, além da participação constante em programas de entrevistas nos quais desfilava sua afetação, a vida de Capote deu a guinada de que tanto carecia em 16 de novembro de 1959, quando, ao ler uma matéria do “The New York Times” em seu apartamento no Brooklyn, seus olhos de um azul esmaecido brilharam por trás das lentes grossas.

Bennett Miller deslinda boa parte dos desdobramentos dessa manhã cinza e gloriosa em “Capote”, onde narra o torvelinho de emoções, de euforia que transforma-se em remorso, de repulsa que deriva para um amor secreto, até que anos depois a fatura chega. Os roteiristas Gerald Clarke e Dan Futterman adaptam o livro homônimo de Clarke, de 1988, dando ênfase à loucura e ao método de Capote, determinado a perseguir os personagens centrais de um crime hediondo, até o fim trágico que o consagra como um dos pais do jornalismo literário nos Estados Unidos. Prestígio pelo qual pagou caro.

Bennett perde de vista o estilo matador do biografado. Depois da introdução, que apenas sugere o assassinato de Herbert Clutter (1911-1959), um módico proprietário rural, e sua família em Holcomb, Kansas, um Capote sempre ardiloso, cheio de cartas na manga, telefona para William Shawn (1907-1992), seu editor na “The New Yorker”, dizendo-se interessado em se deslocar para o Meio-Oeste e escrever um artigo sobre a carnificina cujos bastidores já haviam alcançado todo o país.

Ele pega um trem junto com a amiga Nelle Harper Lee (1926-2016), que embarca nessa aventura para servir-lhe de assistente, e na sequência, o carregador vem com a bagagem e manifesta sua admiração. Já na primeira cena desse encontro, o público tem uma ideia bastante clara da natureza das relações que Capote atraía para si, círculo vicioso que acabou por envenená-lo. Num elenco de ótimas performances, Philip Seymour Hoffman (1967-2014) e Catherine Keener são de longe a melhor coisa de “Capote” — ou melhor, a interação dos dois. Essa parceria é o que torna factível que o enredo se mova para a cornucópia de novas possibilidades de que o longa quer tratar, afinal.

Conhecer Perry Edward Smith (1928-1965) e Richard Eugene Hickock (1931-1965), os acusados pelos homicídios, é o último ato de uma tragédia que se consuma após 25 anos mais. Enquanto isso, o diretor empenha-se em mostrar a sutil degradação moral do protagonista, mais e mais envolvido com Smith, por quem acaba se apaixonando no fluxo dialético de estimular em si esse sentimento, para manter o propósito de concluir o trabalho (que de um artigo passou a um calhamaço de mais de quatrocentas páginas), mas refutá-lo, porque o sabia um disparate. Desse momento até a conclusão, Hoffman revigora a narrativa batendo uma bola redonda com Clifton Collins Jr.

Essa capacidade de ser tantos e um só de Hoffman, sua total absorção de Capote e da legião de demônios que o habitavam, faz com que mereça como poucos o Oscar de Melhor Ator, mas faz pela memória de Truman Capote o que ele próprio não conseguiu. A macabra ironia nisso tudo é terem morrido em circunstâncias tão semelhantes.


Filme: Capote
Direção: Bennett Miller
Ano: 2006
Gêneros: Drama/Crime
Nota: 10