Adaptação cinematográfica de peça ganhadora do Tony e Grammy acaba de chegar à Netflix Erika Doss / Universal Studios

Adaptação cinematográfica de peça ganhadora do Tony e Grammy acaba de chegar à Netflix

Ser jovem nunca foi fácil. A juventude se nos apresenta como um ajuntamento de autocobranças, satisfações que achamos que devemos ao universo — quando o universo não faz a menor ideia de quem somos, e não tem nenhuma pretensão de fazê-lo —, dilemas existenciais característicos, muitos profundos como um balde, e dúvidas quanto ao que reserva-nos o futuro, essas de fato preocupantes. Tememos ser surpreendidos pelos tantos inesperados da vida sem que ainda estejamos prontos, o que, como todos sabemos os que já passaram de determinada idade, sói acontecer com uma frequência meio enjoativa. 

Os canalhas envelhecem, mas para isso têm de esgotar toda a sua cota de mocidade, e em “Querido Evan Hansen”, na Netflix, Stephen Chbosky esmiúça a alma sombria de um garoto que usa das mesmas armas com que fora golpeado, numa manobra astuta em que tem a ajuda do próprio destino. Chbosky adapta o musical composto por Steven Levenson em 2015 e chega a um resultado bastante próximo da qualidade estético-semântica do original, ganhador de seis prêmios Tony. 

O cinema tem seus queridinhos, e os musicais, definitivamente, não estão entre eles. Quiçá o gênero mais ingrato do cinema, musicais são controversos por natureza. Por trás de um bom musical, figura uma equação tão complexa quanto fascinante, que reúne uma medida de números com canções e coreografiasparanoicamente marcadas; diálogos que adicionem o que convém ser transmitido pela fala corrida de forma a manter aceso o interesse do espectador pela história; reviravoltas orgânicas, que não sobrepujem o enredo principal, mas que tenham uma razão inescapável para entrar na narrativa e a trama em si, capaz de mesmerizar o público e de fazer com que gente das mais variadas origens, de todos os credos, de todos os estratos sociais se emocione, vibre, se reconheça.

O ano de 2021, entretanto, foi especialmente profícuo para essa ovelha negra de Hollywood, acolhida com devoção pela Broadway, a exemplo do que se constata em “Em um Bairro de Nova York”, dirigido por Jon M. Chu; “Annette”, levado à tela por Leos Carax; o remake de “Amor, Sublime Amor” de Steven Spielberg e, claro, “Tick, tick… BOOM”, a joia rara de Lin-Manuel Miranda. O Evan Hansen do título faz as vezes de um adolescente comum, desses que literalmente despencam de árvores e quebram o braço só pelo pretexto de ver os amigos tecendo manifestações de carinho as mais tresloucadamente derramadas.

O problema é que em Evan nada é o que parece, a começar por seu intérprete, Ben Platt, já contar 27 anos, denunciados pela ossatura pesada sob a uma cabeçorra angulosa. Com alguma boa vontade, enxerga-se em Platt o menino autoindulgente e tomado por complexos que desculpa seus muitos pecadilhos nas cartas que escreve para si mesmo. Esse é o gancho de que o diretor se vale para chegar à podridão espiritual do protagonista, com seu astro correspondendo às expectativas. Se Platt mostra um desempenho satisfatório, deve muito à Heidi Hansen de Julianne Moore, a única personagem verdadeiramente humana aqui. E cai o pano.


Filme: Querido Evan Hansen
Direção: Stephen Chbosky
Ano: 2021
Gêneros: Musical/Drama
Nota: 7/10