Um filme sensível sobre reconstruir a vida e buscar a felicidade está escondido na Netflix Divulgação / Netflix

Um filme sensível sobre reconstruir a vida e buscar a felicidade está escondido na Netflix

Desde o nosso primeiro momento neste mundo, estamos em uma corrida contra o tempo, buscando avidamente momentos de alegria. Esta busca, por vezes levada a extremos patológicos e até mesmo criminosos sob o pretexto de ser uma necessidade incontornável, representa um dos flagelos da nossa era pós-moderna. Um lodaçal de superficialidades onde o ser humano mergulha com deleite. Com o avançar da idade, não é raro ver pessoas que se consideravam sensatas fazendo escolhas absurdas ou até mesmo malignas, em nome de uma suposta prerrogativa à sanidade. Frequentemente, tentam corrigir erros de uma vida inteira seguindo um caminho ilusório rumo a uma felicidade simulada e enganosa, cujos truques deixam um rastro de infortúnios para si e para aqueles que assistem a essa trágica cena de perto, impotentes. O tormento que resulta desse comportamento, inicialmente visando ao bem, torna-se devastadoramente prejudicial, pois esse bem suposto considerava apenas um aspecto de uma equação muito mais complexa, repleta de variáveis e desdobramentos. 

Celebrado no Festival Internacional de Cinema de Toronto, o TIFF, o filme “Gente de Bem” (2018), explora essas questões e outras mais. Similar ao “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” (2003) de Tim Burton, Anders Hill, interpretado pelo envolvente Ben Mendelsohn, protagoniza uma trajetória de declínio incessante a partir do momento em que decide, sem grande consideração pelo método, que sua vida precisa de uma mudança drástica. Essa mudança envolve encerrar um casamento de mais de três décadas, que ele vê como irremediavelmente estagnado, com Helene, interpretada pela excelente Edie Falco; abandonar um emprego monótono no setor financeiro, uma decisão da qual não se arrepende; encontrar mais tempo para exercícios físicos, tentando, ainda que ineficazmente, moderar o consumo de bebidas; e organizar sua nova residência, frequentando lojas de decoração e, ocasionalmente, flertando com as vendedoras.

A vida de Anders se torna um caos e, previsivelmente, ele agrava sua situação ao tentar, no último momento, desempenhar o papel de pai dedicado para Preston, uma interpretação marcante de Thomas Mann. Ainda há a complicada amizade com Charlie, interpretado por Charlie Tahan, um ex-viciado em recuperação. Anders gradualmente percebe que pode ter cometido o maior erro de sua vida, um erro que talvez seja irreparável. Sem emprego, sem família, com uma relação tumultuada com seu filho, e sem propósito, talvez ele nunca se recupere. O roteiro de Holofcener destaca a desordem mental do protagonista através de cenas como aquela em que Anders, em uma solidão tocante, arruma a decoração natalina da fria e vazia casa nova, o cenário perfeito para um Natal ao contrário. Como Anders, que havia vivido muitos natais tão diferentes, ele também havia se tornado um reflexo distorcido do homem que um dia fora. 

Nicole Holofcener faz escolhas estilísticas e narrativas que transformam uma história aparentemente comum em algo sofisticado e palpável para o espectador, especialmente em uma época onde a felicidade parece ser um produto pronto e antinatural. A habilidade de desfazer esse clima gélido é uma marca de verdadeira profissionalidade, fazendo de “Gente de Bem” um filme que transcende suas aparências iniciais. 


Filme: Gente de Bem
Direção: Nicole Holofcener
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10