Drama com Morgan Freeman e Florence Pugh, no Prime Video, que é uma lição de recomeço e coragem Divulgação / MGM

Drama com Morgan Freeman e Florence Pugh, no Prime Video, que é uma lição de recomeço e coragem

Bom mesmo seria se a vida obedecesse a uma escala invariavelmente harmoniosa, como os pequeninos cenários de ferromodelismo com que costumávamos nos encantar quando crianças. É com essa premissa tão básica e ao mesmo tempo tão cheia de meandros filosóficos que trabalha Zach Braff em “Uma Boa Pessoa”, no Prime Video, a descida ao nono círculo do inferno de uma jovem mulher que tem convicção de que errou, quer reparar suas faltas, mas para tanto vai ter de ir e vir em mil viagens nos trens da própria existência, refazendo os caminhos que poderão, algum dia, levá-la ao Paraíso.

Em seu texto irretocável, Braff faz com que sua protagonista divida com o espectador as vivências tétricas que acumulou de uma vez depois de um evento quase risível, não fosse ter acabado em morte. Uma melhor que a outra, as cenas tão cheias de vigor, de beleza, de poesia e sobretudo de cordata prudência revelam a cada um sua porção divina e satânica, insistindo que estar no mundo é de fato um desce e sobe de decadência e evolução, cabendo a nós decidir pelo eterno lamento ou por se reerguer e tentar de novo.

Num piscar de olhos, júbilo, leveza, amor e dignidade se transformam em culpa, dor, vício e abandono para Allison, que nutria tanto orgulho pelas escolhas que vinha fazendo nos últimos meses. Ela está num noivado sem sobressaltos com Nathan, ganha rios de dinheiro como representante comercial de uma empresa farmacêutica, empenhada em vender um medicamento para uma doença de pele — o que alivia bastante sua culpa por fazer parte do tal “sistema”, e municia o diretor-roteirista com delicadas pérolas de raro humor ao longo dos 128 minutos —, e deseja estreitar a convivência com a família do futuro marido, levando-os a passeios pela vizinhança enquanto o dia do casamento não chega.

Antes de serem drasticamente separados, Florence Pugh e Chinaza Uche compõem um casal irritantemente feliz, e Braff jamais sente a urgência de mencionar a diversidade racial, até porque a tragédia dos dois toca esferas para muito além do visível. No caminho até a loja onde Allison pretendia comprar seu vestido de noiva, uma distração a leva a bater o carro. E sua vida nunca mais volta ao que era.

O diretor usa o segundo ato para convencer o público da dor que se mistura à essência de Allison. Pugh absorve todas as nuanças de desespero de sua personagem, e acredita-se que, por mais que a moça esteja verdadeiramente empenhada em superar seu drama, talvez não saia dessa, soterrada pela dependência no potente opioide que lhe ministravam durante sua longa convalescença. Daniel, o pai de Nathan, entra na história sob a forma de seu anjo salvador, com Morgan Freeman bem à vontade na pele desse homem adorável e sereno, mas justo, atento a cada passo da nova pupila.

Daniel, claro, também tem suas próprias dores a curar, conflito que resta claríssimo na última sequência, quando, numa carta, revela sua preocupação com o destino de Ryan, a filha caçula incorporada pela talentosa Celeste O’Connor. Chegou a sua hora de subir no trem e embarcar para outra estação, o que ele faz com a calma que o define porque sabe que pode contar com a ex-nora. Eis a melhor oportunidade para que ela mostre, afinal, se aprendeu sua lição.


Filme: Uma Boa Pessoa
Direção: Zach Braff
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 10