Indicado a 5 Oscars, o filme que Tom Cruise considera sua melhor atuação no cinema está na Netflix Divulgação / TriStar Pictures

Indicado a 5 Oscars, o filme que Tom Cruise considera sua melhor atuação no cinema está na Netflix

“Jerry Maguire: A Grande Virada”, na Netflix, é um filme alegre sobre um assunto sério. Passadas quase três décadas de seu lançamento, em 13 de dezembro de 1996, é possível analisar com a necessária distância a sina de um homem punido por falar a verdade — e deixar-se abater pela inescapável contestação de que, tantos anos depois, tão pouco mudou. O futebol é a excelente metáfora encontrada por Cameron Crowe para chegar aos corações e mentes de forma simples, recorrendo à paixão irracional e algo estúpida por uma atividade cheia de labirintos morais.

O diretor-roteirista fomenta a conclusão óbvia de que cada época tem, sim, seus próprios problemas, uns de mais fácil solução, outros que nos absorvem por completo, e só uma razão muito forte nos faz retroceder em nossos sonhos e anseios, obrigando-nos a enfrentar medos outrora superados e as ameaças de gente doida para beber nosso sangue (e que, muitas vezes, bebe mesmo). Num lugarzinho mágico cujo acesso restringimos até a quem sabe de nossas boas intenções, estão cristalizadas as memórias do que somos muito antes que o mundo nos conhecesse, aquelas que nos definem e acabaram por nos fazer as pessoas de quem hoje temos orgulho. “Jerry Maguire” é uma fábula moderna sobre valores atemporais.

Todos amam Jerry. Bonito, rico, bem-sucedido e determinado, o protagonista de Crowe só poderia mesmo ganhar vida pelas mãos cuidadosas de Tom Cruise, cuja carreira de bom moço oficial de Hollywood já estava consolidada desde “Nascido em 4 de Julho” (1989), o veterano de guerra que revê todas as suas frágeis convicções depois de uma trapaça do destino no clássico de um furioso Oliver Stone, muito mais honesto que hoje. Jerry está no topo, posição cheia de perigos onde qualquer deslize pode ser fatal e, pior, custar-lhe o plantel de jogadores milionários da influente NFL, a liga de futebol americano dos Estados Unidos.

Como todos esperamos, a ruína de um dos agentes mais solicitados do esporte na América chega, por um descuido tolo, que deveria contar muito mais a favor que contra ele. O diretor conduz o grande conflito da história com surpreendente naturalidade, e seu filme ganha um ar de charmosa indiferença e despretensão, sobretudo se comparado com outro sucessos de Cruise, a exemplo das franquias “Missão Impossível” e “Top Gun”.

“Este é um meio cínico”, diz Jerry a cera altura do enredo. Talvez seja mesmo, e por exatamente isso ele quebra a cara. No segundo ato, Crowe dá mais espaço para Renée Zellweger e Cuba Gooding Jr. brilhem — ainda que menos que o ator principal. Dorothy Boyd, a única a ter acreditado em Jerry quando da chama inicial da tal grande virada do título, vive com ele um romance pleno de idas e vindas, que, transposto para o universo masculino, é representado à perfeição por seu relacionamento com Rod Tidwell, o wide receiver num momento muito particular em seu ofício e na intimidade. Gooding Jr., mais que Zellweger, é capaz de se desvencilhar de boas armadilhas típicas de personagens como Tidwell, mudando da água para vinho e em nada lembrando trabalhos como o ótimo “Mãos Talentosas: A História de Ben Carson” (2009), de Thomas Carter.


Filme: Jerry Maguire: A Grande Virada
Direção: Cameron Crowe
Ano: 1996
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 8/10