Filme com Nicolas Cage e John Cusack que acaba de estrear na Netflix te fará esquecer o mundo por 109 minutos Divulgação / Lionsgate Films

Filme com Nicolas Cage e John Cusack que acaba de estrear na Netflix te fará esquecer o mundo por 109 minutos

É inútil negar: assassinos em série exercem um fascínio sobre pobres mortais que vivem de acordo com suas posses, não têm ninguém que se compadeça de seus dramas íntimos e, não raro, arrastam-se de um para outro hospital, procuram colocação à porta de empresas, em filas que avançam da calçada para a rua, incapazes de perceber o absurdo que reside no fundo da questão. Bandidos de todos os coturnos têm experimentado um gosto de celebridade ao longo dos anos, ajudados pelas releituras históricas de determinados filmes que, além de mentirosas, fedem à mais descarada apologia ao crime.

No Brasil, decerto “Tropa de Elite” (2007), dirigido por José Padilha, é o único filme a apresentar o submundo da ilegalidade ao espectador admitindo a existência de policiais honestos, cônscios de seu dever social e nada inclinados a seduções de quem quer que seja, da imprensa, da academia ou de certos segmentos mais endinheirados. Vez ou outra, Hollywood acerta no tratamento mais assertiva e menos condescendente dispensado a sicários incorrigíveis, desses que matam por esporte e por prazer, como se assiste em “Sangue no Gelo”, thriller que tem por matéria-prima o lado desconhecido das ocorrências envolvendo matadores que passam por pais de família devotados, maridos amorosos e chefes gentis.

Em sua estreia em longas, Scott Walker vai além do óbvio ao mostrar com destemor o calvário de um abnegado detetive de Anchorage que tenta botar na cadeia num assassino de prostitutas que espalha terror a toda a população dessa cidadezinha do Alasca no início dos anos 1980. O diretor-roteirista usa de alguns lugares-comuns no encaminhamento da história, na verdade, porém o que acaba por contar aqui é a habilidade de Walker quanto a manter a audiência esperta e à espera do próximo lance, que sempre vem com intensidade redobrada.

O trabalho na polícia tem idiossincrasias que distinguem-no de qualquer outra atividade laboral, seja lá o ponto de vista que se queira admitir. Para princípio de conversa, policiais, na teoria, não tiram folga nunca, e o senso de se fazer justiça sem as tantas firulas dos trâmites processuais — que nem sempre chegam onde deveriam chegar — tarda muito a deixar de fazer parte da rotina de alguém que dedicou seus melhores anos ao trabalho de combater o perigo imanente das ruas, desafiado por um instinto de sobrevivência que se amplia para a sociedade que aprendeu a escudar. Em geral, americanos se saem muito bem quando usam o cinema para expor suas fragilidades. Assuntos espinhosos como racismo, sexo, drogas, as perenes iniquidades hipócritas do jeito de viver propagado pela nação mais democrática do planeta — e, também por isso, a mais complexa — costumam vir à baila com toda a virulência, o que nem de longe afasta o público, pelo contrário: quanto mais coragem um diretor usa na elaboração de um argumento ingrato, mais o espectador sente-se compreendido, abraçado, certo de que suas dores não são só suas.

O filme de Walker é baseado na história real de Robert Hansen (1939-2014), um assassino em série que ganha as manchetes dos cadernos de Polícia de jornais em boa parte do território americano à medida que garotas de programa desaparecem e lotam o necrotério de Anchorage, onde o baixo meretrício campeia. São dúzias de casas de strip tease, onde, claro, também habitam cafetões e traficantes de drogas de quem Cindy Paulson, uma das poucas a escapar de fúria bestial de Hansen, é cliente assídua.

O eixo narrativo do roteiro do diretor movimenta-se conforme Paulson se encarrega de fornecer a Jack Halcombe, o investigador nomeado para o caso, as evidências que, muito tempo depois, vão servir para encarcerar o assassino, que conta com a leniência e mesmo a simpatia dos outros policiais para se safar. Walker é hábil ao denunciar sem proselitismo a postura deliberada de deixar que os assassinatos perdurem, como uma espécie de limpeza social, fixando-se na hora certa em Paulson e Hansen, duas pontas soltas de um novelo gordo que as autoridades não conseguem manter na gaveta. Este talvez seja o melhor filme protagonizado por Nicolas Cage, que sempre conta com o amparo de Vanessa Hudgens e John Cusack, assustador.


Filme: Sangue no Gelo
Direção: Scott Walker
Ano: 2013
Gêneros: Thriller/Crime
Nota: 8/10