Para quem gostou de ‘Na Natureza Selvagem’, filme sobre autodescoberta e solidão, acaba de estrear na Netflix Divulgação / Fox Searchlight Pictures

Para quem gostou de ‘Na Natureza Selvagem’, filme sobre autodescoberta e solidão, acaba de estrear na Netflix

“Wild” (2014), dirigido por Jean-Marc Vallée, é um filme que desafia as convenções habituais do gênero de autodescoberta. A trama gira em torno de Cheryl Strayed, interpretada com profundidade e vulnerabilidade por Reese Witherspoon, que se embrenha em uma jornada solitária pela Pacific Crest Trail. Este não é um típico filme de aventura, mas sim um estudo introspectivo sobre luto, fracasso e a busca incessante por redenção.

Vallée, conhecido por sua habilidade em criar narrativas não lineares, usa esse recurso com eficácia em “Wild”. As lembranças fragmentadas de Cheryl se entrelaçam com o presente, revelando aos poucos a tapeçaria de sua vida pregressa — uma existência marcada por tragédias pessoais e escolhas questionáveis. Contudo, essa abordagem, embora intrigante, às vezes se perde em seu próprio labirinto, deixando o espectador ansiando por uma maior coesão narrativa.

Witherspoon entrega uma das performances mais crua e genuína de sua carreira, destilando a essência de uma mulher quebrada, mas não derrotada. Seu retrato de Cheryl é tanto uma representação de fragilidade quanto de força indomável, uma combinação que captura a essência da jornada humana com uma honestidade raramente observada em Hollywood.

A cinematografia é outro ponto forte do filme. O vasto e implacável deserto da Pacific Crest Trail é capturado com uma beleza estonteante, servindo como um personagem por si só. A natureza ora serve de refúgio, ora de adversário, espelhando a tumultuada jornada interna de Cheryl.

Expandindo a análise, o roteiro, adaptado do livro homônimo de Cheryl Strayed, é habilidoso ao traduzir uma narrativa literária rica em pensamentos internos para a linguagem cinematográfica. A jornada de Cheryl, embora física, é em grande parte uma odisseia psicológica e emocional. O filme consegue capturar esses aspectos apesar de, em certos momentos, flertar perigosamente com esse limite.

A direção de Vallée merece destaque. Ele não se contenta em apenas contar uma história; a apresenta de forma ao mesmo tempo crua e poética. Sua abordagem para os flashbacks, por exemplo, é desorientadora inicialmente, mas à medida que o filme avança, torna-se claro que essa escolha estilística reflete a mente tumultuada de Cheryl. A natureza fragmentada de suas memórias serve para sublinhar a desordem em sua vida e a busca por algum tipo de ordem interna.

A trilha sonora e o design de som também desempenham um papel crucial em “Wild”. Em vez de dominar ou direcionar as emoções do espectador, a trilha sonora e o design de som se misturam sutilmente ao fundo, complementando a jornada visual e emocional de Cheryl sem nunca se sobressair.

Embora “Wild” não seja isento de falhas, destaca-se em muitos aspectos. A narrativa, por vezes, inclina-se para o melodramático, e algumas sequências parecem desconexas, dificultando a empatia do público com a protagonista. Além disso, o filme às vezes se apega demais aos simbolismos, o que pode parecer forçado. Algumas subtramas parecem inacabadas ou inseridas como reflexões tardias, o que pode deixar o espectador questionando sua relevância para a história maior.

 “Wild” é um filme que provoca reflexão, embalado em uma narrativa visualmente deslumbrante e performances poderosas. Não é perfeito, mas é um lembrete cinematográfico valioso de que, às vezes, a jornada mais desafiadora é aquela que fazemos para dentro de nós mesmos.


Filme: Wild
Direção: Jean-Marc Vallée
Ano: 2014
Gênero: Aventura/Thriller
Nota: 9/10