Divertido e inspirador, filme na Netflix é a dose de humor que seu dia precisa Aardman / Netflix

Divertido e inspirador, filme na Netflix é a dose de humor que seu dia precisa

Qual seria o intervalo perfeito entre o longa inaugural de uma franquia e sua segunda edição? Em muitas circunstâncias, esse tempo nem existe, já que, a depender de quantas centenas de milhões de dólares se tenha em caixa, matam-se todos os coelhos num só take, despejando-se em escala industrial o resultado da carnificina nas salas de cinema mundo afora e fica-se a esperar que o dinheiro volte, maior, mais gordo, uma, duas, três, dez vezes, e até lá outras histórias estão sendo devidamente analisadas, reservando-se a preferência, claro, para aquelas que se multiplicam quase sem ajuda.

“A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets” é um filme sui generis sob inúmeros aspectos. Para começar, mostra que animações podem, sim, permanecer no bom e velho stop-motion sem prejuízo do interesse de quem quer que seja, e nisso Sam Fell é um mestre como poucos. Depois, o mais novo lançamento da Aardman Animation — responsável pelos ótimos “Wallace & Gromit – A Batalha dos Vegetais” (2005), levado à tela por Nick Park e Steve Box, e “Shaun: O Carneiro” (2015), de Richard Goleszowski e Mark Burton, além do protocolar “Por Água Abaixo” (2006), dirigido por Fell e David Bowers, e o cabeçudo “Piratas Pirados!” (2012), de Peter Lord — parece estar com Einstein quanto à natureza relativa do avanço do calendário.

Passados 23 anos, “A Ameaça dos Nuggets” vale-se da premissa original, por evidente, mas é um trabalho fresco, pleno de vida, com melhoramentos tecnológicos pontuais que só fazem realçar seu cunho artesanal. E isso é uma proeza. O roteiro de John O’Farrell, Karey Kirkpatrick e Rachel Tunnard faz uma retrospectiva breve (e perfeitamente dispensável) do exposto em 2000 por Park e Lord, e rememoram a importância de

Ginger, a galinha ruiva, na emancipação das aves da granja Tweedy. O material distribuído à imprensa conta que o primeiro “A Fuga das Galinhas” se passa nos anos 1950 — malgrado alguns dos expedientes de que Ginger lança mão para libertar suas consortes penosas denotem um nível de sofisticação meio rebuscado —, e, decerto na história é impossível terem se esgotado duas décadas, uma vez que galináceos vivem, na melhor das hipóteses, oito anos. Mas quem se importa? O caso é que Ginger, dublada por Thandiwe Newton com entonação metódica, dividida na proporção exata de gravidade e intrepidez, está novamente prestes a encabeçar um levante, por motivos ainda mais elevados.

De sua união com Rocky, o ex-Aventureiro Solitário, na voz de Zachary Levi, nasceu Molly, uma pintinha adorável, mas perigosamente irrequieta, cujas penas arrepiam-se todas ao elucubrar sobre o que poderia haver do outro lado da ilha onde os pais se refugiaram, escapando do furor assassino da senhora Tweedy, a dona da fábrica que transforma frangos em tortas, e agora em pepitas de carne empanadas. Cada qual num extremo da narrativa, Miranda Richardson e Bella Ramsey cativam com interpretações em que se sente o ímpeto de fazer vibrarem todas as sílabas a fim de dar personalidade a seres de plasticina, um composto à base de argila, cera e plástico modelável. Desafio que elas superam sem contratempos.

A diversão começa mesmo é quando Molly vai parar afinal nos domínios dos Tweedy, revivendo a saga da mãe — ainda que com o sinal trocado. A cena em que Rocky descobre um jeito de salvar-se a si e aos outros de serem trucidados num gigantesco moinho elétrico não tem nada de notável (é, antes, até bem previsível), mas o carisma dos personagens transforma cada novo lance como este num pretexto para que se torça por eles. Mesmo que só se tenha a certeza de que não foram incorporados à cadeia alimentar de alguém dentro de outros 23 anos.


Filme: A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets
Direção: Sam Fell
Ano: 2023
Gêneros: Animação/Comédia/Aventura
Nota: 8/10