Futuro cult, suspense inquietante que acaba de chegar à Netflix é algo que você nunca viu igual Divulgação / Telfaz11

Futuro cult, suspense inquietante que acaba de chegar à Netflix é algo que você nunca viu igual

Mulheres foram conquistando espaços que muita gente jamais imaginaria há cerca de meio século, e a todos ganharam com isso. No entanto, é difícil acreditar que ainda hoje existam lugares em que sua submissão incondicional aos abusos de pais, maridos e filhos, até em questões estritamente pessoais conta como um ativo precioso quanto a avaliar a educação e os brios de uma mulher, o que nenhum relativismo cultural explica. Quando filmes a exemplo de “Perdida no Deserto” ganham o mundo, renova-se a esperança de que a humanidade não seja um caso sem remédio. O debute do saudita Meshal Aljaser em longas requenta clichês usados com assiduidade em produções árabes, dando um jeito de inspirar na audiência uma inquietude também no que diz respeito à estética. Aljaser faz bom uso de todos os expedientes técnicos que consegue a fim de imprimir à história o encanto lúgubre que torna-se sua grande marca.

No prólogo, vê-se um jipe estacionado num beco. É 1975; o rei Faisal bin Abdulaziz Al Saud (1906-1975) está prestes a ser assassinado pelo sobrinho, Faisal bin Musaid (1944-1975), aos 69 anos, em seu escritório em Riad, capital da Arábia Saudita. O diretor-roteirista faz um passeio breve pela história de seu país e assim põe o espectador no centro de um drama familiar, mas para que se chegue à tal ilação é preciso esperar quase cinquenta anos. Em 2023, Sarah fuma escondido na varanda da casa espaçosa onde mora com os pais e o irmão caçula, maldizendo a vida que qualquer moça da idade dela quereria ter. Esse ponto assinala uma sequência de críticas de fundo social, que por seu turno vão dando lugar a uma narrativa de suspense em graus variados a medida que a personagem desafia a autoridade paterna — e, portanto, se expõe a riscos concretos — ao usar a burca para sair com Hadeel, a amiga interpretada por Miriam Alshagrawi, e de lá ir ao encontro de Saad, de Yazeed Almajyul. Adwa Bader encabeça lances entre divertidos e tensos com Almajyul.

Sarah tem de estar de volta à medina às dez da noite, sob pena de ser repudiada, ou seja, desprezada pela comunidade e proscrita. Ela até observaria a condição, se Saad não a tivesse convidado a ir a uma festa privê com ele; no caminho, pelo Rub al-Khali, um dos maiores desertos do planeta, cobrindo grande parte do território saudita, ele para o carro e os dois aproveitam para usar aditivos químicos suspeitos. E então dá-se a barbárie.

Aljaser reserva o terceiro ato para retomar o tropo da subjugação feminina. De um caminhão, saltam integrantes de um grupamento da Mutaween, a polícia religiosa, e os obrigam a fugir pelo deserto. Saad escapa, mas Sarah, claro, acaba tendo de se ver com os perigos da noite profunda. O diretor lança de mão de uma camela prenhe a fim de questionar a maternidade como uma sina para a qual muçulmanas não podem oferecer recusa. A imagem mais perturbadora de um relato distópico e de terrível atualidade.


Filme: Perdida no Deserto
Direção: Meshal Aljaser
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10