A comédia que acaba de chegar à Netflix e vai fazer todas as suas preocupações parecerem pequenas Divulgação / Netflix

A comédia que acaba de chegar à Netflix e vai fazer todas as suas preocupações parecerem pequenas

O mundo já foi muito maior. Nesse tempo, quem podia desembolsava uma fortuna para cruzar o firmamento em aeronaves que eram mesmo símbolo de glamour e status, em voos que pareciam jantares de gala suspensos em que todos sentiam-se bem mais relaxados, como se aquele deslocamento, não sem uma dose generosa de insânia, fizesse parte da diversão. Vencemos a distância que faltava à medida que economias de todo o planeta integravam-se e as riquezas se democratizaram — ou a pobreza passou a marchar a passos menos largos —, e a tal globalização uniu de uma vez para sempre o que talvez funcionasse melhor separado.

“Uma Roubada em Família” é um tributo aos delírios consumistas dos anos 1990, praga que se alastrou vigorosa por entre lares de classe média ao longo de toda a década, até que a fatura chegou e cada qual que encontrasse a carne a ser sacrificada na intenção de tentar conter a sangria. O mexicano Diego Graue cresceu em meio ao vaivém da economia numa nação periférica, em que o sonho de ir aos Estados Unidos entupir-se de junk food e voltar com uma mala extra cheia de quinquilharias nunca se desvanecia do horizonte de quem se pretendia moderno. Sagaz, o diretor, junto com Santiago Mohar Volkow, seu corroteirista, dá um jeito de aumentar o interesse pela história lançando mão de um crime sem violência, o que não significa que a tensão não se apresente de quando em quando. 

Uma estética obsoleta, assumidamente cafona, domina a tela, a começar pela tipologia dos créditos, que emula os caracteres de softwares como o nada saudoso DOS. O telefone sem fio chama; os Camargo assiste à televisão enquanto a empregada doméstica passa roupa, e como o aparelho insiste em tocar, vai de mão em mão até que Carlos, o chefe da família o atende e recebe uma notícia nada auspiciosa. Já faz alguns meses que ele não honra as prestações do carro esporte de luxo que comprara de uma certa HM Motors, lhe diz a voz distorcida do outro lado, que garante também que este fora o último aviso.

Lola, a esposa, uma dona de casa pacata e ingênua, sequer desconfia dos apuros financeiros do marido e afoga o enfaro de dias e dias de afazeres domésticos tão absorventes quanto melancólicos no bingo onde malbarata o escasso fundo de reserva a ser usado numa emergência. Nesse segmento, Bruno Bichir e Ana Claudia Talancón protagonizam uma bem-elaborada crônica sobre o descompasso de casais que ainda se amam, mas se perdem numa necessidade tola de estarem sempre bem, inclusive no que concerne à poupança. Pouco depois, a sequência num banheiro público, onde o anti-herói de Bichir apanha um bolo de cédulas que cai da cabine ao lado, os leva a uma viagem pelo centro-oeste dos Estados Unidos, onde, passam a viver como se num jogo macabro, em que gente muito rica e muito poderosa não lhes sossego até que Carlos devolva o que não lhe pertencia. Para contrair novas dívidas, e reiniciar o ciclo, numa constatação entre bem-humorada e cínica da desgraça dos não-ricos, no México ou onde quer que seja.


Filme: Uma Roubada em Família
Direção: Diego Graue
Ano: 2023
Gênero: Comédia
Nota: 8/10