Superprodução caríssima de ficção científica da Netflix não vai deixar você desgrudar seus olhos da tela por 107 minutos Divulgação / Netflix

Superprodução caríssima de ficção científica da Netflix não vai deixar você desgrudar seus olhos da tela por 107 minutos

O desconhecido intriga e assombra o homem desde o princípio dos tempos. Já nas cavernas, os primeiros homo sapiens deixaram suas impressões acerca do que entendiam por formas de vida além deste plano, monstros que devoravam tudo o que viam pela frente, inclusive os raros espécimes da humanidade que aparecia aos poucos e lidava com mais esse obstáculo mediante a busca respostas no que estava além de seu alcance. Nic Mathieu elucida alguns mistérios na relação do gênero humano com aquilo não pode compreender — mas existe — em “Spectral”, ficção científica sobre incertezas deste e de outros mundos, onde também grassam criaturas bravias, sôfregas por usurpar espaços em que não são desejadas. Bebendo da fonte do videogame, essa é uma história que se esmera por reproduzir o sucesso de grandes momentos do cinema, especialmente os que remetem à aventura humana em cenários agrestes e situações hostis, como outros planetas e conflitos bélicos.

Há elementos mais ou menos óbvios que situam o trabalho de Mathieu em algum lugar entre “Falcão Negro em Perigo” (2001), visão de Ridley Scott acerca da baldada tentativa de invasão da Somália pelas tropas americanas, e “Alien – O 8° Passageiro” (1979), a epopeia do diretor em torno do ataque a um dos tripulantes de uma missão interplanetária por organismos exógenos à biologia convencional. Mathieu emula a dramaticidade da obra de Scott de um modo um pouco mais acelerado, distribuindo as surpresas do roteiro, coescrito com George Nolfi e Ian Fried, com maior uniformidade ao longo dos 108 minutos de projeção. A história abre mostrando um soldado das forças especiais designadas para guerrear contra seres sobre-humanos diante de um espectro que se acredita maligno nas ruínas de uma cidade da Moldávia, na Europa Oriental, uma das nações mais pobres do mundo. Para tirar a prova, a DARPA, a agência do Departamento de Defesa norte-americano responsável por desenvolver estratégias e tecnologias para o enfrentamento de crises, manda Mark Clyne, um de seus melhores engenheiros, ao país. James Badge Dale personifica esse anti-herói imprimindo em Clyne a revolta frente a uma das maiores cleptocracias da Terra, proliferando a olhos vistos graças à instabilidade política, por sua vez nascida de agitações populares em estado bruto como resposta ao ubíquo desgoverno. Essa efervescência social ameaça degringolar em guerra civil, e a contribuição do personagem de Dale e seus óculos capazes de sentir a movimentação dos ectoplasmas adquire importância fundamental, já que esses seres híbridos, capazes de transitar entre múltiplas dimensões, estão aniquilando as tropas mandadas pelos Estados Unidos.

“Spectral” aposta no tropo do inimigo sob a forma mais divagante que consegue para elaborar seus comentários a respeito do direcionamento da política externa dos Estados Unidos, quando outro cineasta da estatura de Scott, este americano da gema, é chamado à discussão. O filme de Mathieu também tem muito do Francis Ford Coppola de “Apocalypse Now” (1979), sobretudo depois da entrada em cena de Fran, a agente da CIA interpretada por Emily Mortimer, responsável por quebrar a monotonia do idealismo oco de Clyne. Ninguém tem dúvida de que é o pragmatismo dessa mulher meio ambígua que salva a humanidade, e nisso o enredo puxa para “A Chegada” (2016), a distopia do franco-canadense Denis Villeneuve, um dos mais sofisticados diretores que o cinema já produziu.


Filme: Spectral
Direção: Nic Mathieu
Ano: 2016
Gêneros: Ação/Ficção científica/Suspense
Nota: 8/10