A obra-prima ganhadora de dois Oscars, com Ryan Gosling, que está na Netflix Divulgação / Sony Pictures

A obra-prima ganhadora de dois Oscars, com Ryan Gosling, que está na Netflix

Lançado em 2017, “Blade Runner 2049” surge como um eco desesperadamente contemporâneo, mantendo-se fiel às raízes que o inspiraram. A singularidade desse filme de Denis Villeneuve, que chega às telas 35 anos após o revolucionário “Blade Runner” de Ridley Scott em 1982, reside na sua capacidade de se inserir no contexto sociopolítico de seu tempo. Ao fazer isso, ele ganha vida própria, como se seu antecessor perdesse parte de sua relevância, embora isso esteja longe de ser o caso. O respeito mútuo entre Villeneuve, um dos cineastas mais sofisticados da atualidade, e Scott, o mestre por trás do filme original, é evidente. Ambos reconhecem que as obras culturais estão sujeitas a evoluções e ajustes ao longo do tempo.

Tanto Villeneuve quanto Scott entendem que novos horizontes muitas vezes surgem das incertezas, e nem sempre as perguntas são feitas no momento certo. O livro de Philip K. Dick, que deu origem a “Blade Runner”, apresenta uma questão ousada, porém apaixonadamente racional. Dick, um dos expoentes mais complexos da cultura pop do século 20, não estava inicialmente entusiasmado com a adaptação cinematográfica de sua obra mais famosa, “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, publicada em 1968. Em 1970, ele descobriu que os direitos de sua obra haviam sido vendidos sem seu consentimento, o que levou a um encontro tenso com o produtor Herb Jaffe. No entanto, a persistência de Michael Deeley em 1977 finalmente tornou possível que essa história louca fosse levada para as telonas em 1982. Ao longo de 35 anos, o filme original nunca foi unanimidade, mas gradualmente conquistou seu lugar como um clássico, apesar das opiniões divergentes de alguns fãs obstinados.

O personagem K, interpretado por Ryan Gosling, é um caçador de replicantes que, curiosamente, é um híbrido de ser humano e algoritmo. Ele busca Rick Deckard, o replicante de 1982 que inexplicavelmente permanece vivo, desafiando o tempo e a obsolescência do software. A inevitabilidade da morte o atormenta, e ele questiona se faz sentido continuar existindo, seguindo os passos de Deckard, vivendo como um excluído, mantendo relações que nunca alcançam a plenitude. K nunca é negligenciado por Joi, sua namorada virtual, mas essa relação é vazia, pois Joi não tem presença física. Ela é apenas um aplicativo da Wallace Corporation, enquanto Deckard tem um relacionamento real com uma mulher.

À luz do existencialismo, que valoriza a experiência sobre a essência, K anseia por humanidade, mas carece dela. Ele é incapaz de sentir emoções genuínas, e suas raras manifestações de alma são obscurecidas por segundas intenções. No entanto, um simples objeto, um cavalinho de madeira, o MacGuffin do filme, lhe confere um propósito profundo.

Sob a perspectiva estética, “Blade Runner 2049” é uma festa visual. A cinematografia de Roger Deakins é um dos pilares sólidos do filme, capaz de sustentar suas três horas de duração. Denis Villeneuve, assim como Ridley Scott em seu “Blade Runner”, cria uma atmosfera noir, repleta de hesitação, em um mundo cada vez mais distópico. Neste cenário, a humanidade parece se conformar com seu destino sombrio, enquanto as máquinas ganham força. Como Philip K. Dick ousou questionar, será que as máquinas vão prevalecer? A resposta permanece em aberto, e “Blade Runner 2049” deixa uma marca duradoura como um filme que desafia as convenções e a compreensão convencional.


Filme: Blade Runner 2049
Direção: Denis Villeneuve
Ano: 2017
Gêneros: Ficção Científica/Ação
Nota: 10