O filme com Nicole Kidman, na Netflix, que vale por uma sessão de psicanálise Divulgação / Scott Rudin Productions

O filme com Nicole Kidman, na Netflix, que vale por uma sessão de psicanálise

Com exceção de “Barbie”, Noah Baumbach é o cineasta que mais fracassa em bilheteiras, mas consegue manter seu nível de respeito no meio da crítica e uma fanbase sólida. Não é que seus filmes sejam ruins, na verdade, são melhores do que seu maior sucesso nos cinemas sobre a boneca da Marvel, realizado ao lado da esposa, Greta Gerwig. É que seus filmes estão longe de serem comerciais e de agradar ao público mais convencional, que está em busca de entretenimento e diversão. Os filmes de Baumbach não costumam ser divertidos. Eles são, na maioria das vezes, observacionais e problematizadores demais para isso.

Em “Margot at the Wedding”, vemos Baumbach adentrar em um de seus temas favoritos: famílias disfuncionais. Sua protagonista, Margot (Nicole Kidman), retorna à casa de sua infância, onde agora mora a irmã Pauline (Jennifer Jason Leigh), que está prestes a se casar com Malcolm (Jack Black). Margot está acompanhada do filho, Claude (Zane Pais), um pré-adolescente ingênuo e apegado demais à mãe, praticamente um aliado.

A verdade é que Margot e Pauline não se falam há alguns anos. Elas não se dão muito bem, embora Margot defina a irmã como sua melhor amiga. Ela não aprova a escolha dela por Malcolm e apenas espera pelo momento oportuno para dizer “eu te avisei”. Ela sabe que a qualquer instante o noivo vai pisar na bola.

Margot aproveita a conveniência do casamento para se encontrar com o amante, Dick (Ciarán Hinds), enquanto o marido, Jim (John Turturro), permanece em casa com a desculpa de que irá lecionar até o final de semana.

A história se passa no decorrer de alguns dias e, embora o grande evento seja o casamento, ele sequer aparece na trama, mas apenas a preparação para ele. O intuito de Baumbach, na realidade, é abordar os impactos provocados pela presença de Margot na vida das pessoas. Embora Pauline esteja feliz com o fato de a irmã ter retornado para casa, há também uma certa vulnerabilidade em sua relação com ela. É como se estivesse, a todo momento, pisando em ovos. Margot tem uma personalidade tão impositiva que se transforma na protagonista de todas as situações que a cercam, mesmo quando não se tratam dela.

É interessante como Baumbach, por meio do gênero mumblecore, explora a dinâmica das relações em torno de sua protagonista. Há sempre um “disse me disse”, um clima de desconfiança e uma tensão em torno dos diálogos. Exatamente como nas discussões familiares reais, eles misturam acusações e ressentimentos com intimidade, cuidado e amor.

Conforme a trama se desenrola lentamente, com Baumbach observando os diferentes comportamentos dos membros da família, confidências e traumas do passado são revelados. Sua mensagem não se trata apenas das imperfeições familiares, mas das humanas. Todos temos nossos segredos obscuros e fazemos coisas que podem ser inaceitáveis para os outros.

Uma árvore plantada pela família no quintal há décadas é alvo de disputas com vizinhos, que querem a todo custo derrubá-la. No entanto, a planta representa as melhores lembranças de Margot de sua infância. Baumbach traça uma analogia entre a árvore e a família. Conforme ela colapsa, as relações entre Margot, Pauline, Malcom, Jim e todas as crianças também.

Embora o filme se passe nos dias atuais, adota uma estética setentista e tons pasteis que nos remetem, talvez não propositalmente, à memórias nostálgicas de fotos e filmagens caseiras familiares.

“Margot at the Wedding” é uma demonstração extraordinária da sensibilidade e habilidade de Baumbach em identificar as delicadezas e detalhes das dinâmicas familiares e conseguir traduzí-las para sua arte. Entre os sucessos de bilheteria desse cineasta e seus filmes feitos com a alma, fico com a segunda opção.


Filme: Margot at the Wedding
Direção: Noah Baumbach
Ano: 2007
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 8/10