Com que sonha a geração Z?

Com que sonha a geração Z?

Diz-se que a geração Z é constituída pelos nascidos a partir dos anos 1990. Sua principal característica é a conectividade. São familiarizados à internet, aos smartphones e aparelhos afins, e não concebem a vida sem isso. Não. Essa turma não se interessa em sair para pescar. Eles são elétricos, inquietos, velozes, impacientes e se estressam noutro nível. São os nativos digitais. Podem fazer tudo pela tela de um telefone celular, inclusive ligar pra uma pessoa e dizer que sente saudades. Saudade: sentimento de gente fraca e desconectada? Com que sonha, afinal, a novíssima geração Z?

Tenho 50 anos de idade e, de acordo com as classificações sociológicas estereotípicas, faço parte da chamada geração X, aquela que queria ser médico, dentista, engenheiro, advogado, roqueiro ou jogador de futebol, quando crescesse. Não sei quanto aos meus contemporâneos, mas, eu tinha vontade de ser um monte de coisas ao mesmo tempo. Nem sei nem enumerar ao certo. Não me recordo muito bem. Pra ser sincero, já faz tempo que eu não sonho com porcaria nenhuma, senão fechar as contas no azul ao final do mês. Sim. Então, é isso: vidinha confortável, porém, deplorável.

Certo dia, na recepção de um restaurante, enquanto eu aguardava por uma mesa para dois — depois que se adentra na quarta década, a tendência é ser preterido pelos mais jovens, e há muito pouco a se fazer em relação a isso, sem que caiamos em esparrelas; por exemplo, vestir roupas feitas para adolescentes, além de parecer apelativo, não nos tornará mais aceitáveis pelas tribos — notei que havia ali um jovem casal e uma criança de, aproximadamente, dois anos.

Porque o guri estivesse irritado com a espera e com as circunstâncias, por causa da falta de ar puro e de atrativos dentro daquela salinha de espera, os pais colocaram nas suas mãos um aparelho eletrônico cujo peso ele mal conseguia sustentar nas suas patinhas infantis. Já era um pequeno animal em fase de adestramento. Pretendiam que ele pudesse entreter-se, divertir-se com o colorido das luzes e os ruídos dos personagens, enfim, dar-lhes uma trégua — brincar com os filhos dá o maior trabalho, toma tempo, mas, é imperdível, pode acreditar. O tempo não volta, não adiantar clicar no reset. Por outro lado, cada um dos pais ficou agarrado a sua própria coleira digital, clicando nos mobiles. A moça tinha belas pernas. Mas isso é um detalhe irrelevante nessa história. Outro dia eu conto. Aquela cena me deixou ressabiado.

“Senhor Eberth, mesa 3!”. Entramos. Enquanto mastigava nacos de filé mignon, observei que o local estava lotado pra cacete. Sempre fui ruim em matemática, mas, calculei que noventa por cento dos clientes segurava um telefone celular e o manuseava, freneticamente. Os mais animadinhos caprichavam nas selfies. Além de não gostar de fotografias, eu estava achando aquilo tudo muito besta e entediante.

À medida que a garçonete descia canecas de chope na mesa, os meus neurônios escapuliam, as sinapses relampeavam, moléculas de criatividade começam a ribombar dentro da minha cabeça. Ainda gosto de escrever ideias e lembretes em pedaços de papel. Sou uma espécie de homem domesticado que possui manias antiquadas. Portanto, catei um guardanapo e comecei a anotar certas lucubrações etílicas.

Com o que sonhava aquela meninada quando não estava dormindo? Eu devia ter aproveitado a melancolia e a embriaguez para fazer uma pesquisa de opinião instantânea, mas, correria o risco de ser desprezado ou mal interpretado por quem estava ali só para se divertir um pouco. Hoje, mais do que nunca, é de bom alvitre não dar conversa a estranhos. Inda mais gente estranha como eu, um homem de meia idade, cheio de dúvidas existenciais que nem me diziam respeito.

Mandei pra dentro um simpático pudim de leite condensado que me olhava sorrindo — “Devora-me, garotão!”, ele suplicava — e lucubrei uma vez mais: quem daqueles moços bonitos, saudáveis e com dentes perfeitos se interessaria em saber que muitos da minha geração sonhavam se tornar um jogador de futebol, um band leader, possuir carro próprio — qualquer marca de carro, mesmo que fosse um fusca — , namorar mulheres bonitas e, de quebra, conquistar o mundo?

Isso tudo era coisa do passado. Nossos sonhos estavam superados. A geração Z já tinha o mundo em suas mãos, ao alcance de um click, não carecia mais conquistá-lo. Talvez — e isso era uma hipótese particular endiabrada, ou melhor, embriagada — aquela turma quisesse se ocupar com sonhos mais modestos, e que um dia a minha geração negligenciou por considerá-los irrelevantes demais, como, por exemplo, levar uma vida simples, confortável, viajar muito pelo planeta, conhecer outras culturas, outros jovens tão hiper-conectados quanto eles, sem se prender demasiadamente aos empregos, aos planejamentos estratégicos das empresas de terceiros, às agendas e às rígidas escalas de trabalho.

Enfim, quem sabe, eles visassem tão somente permitir que o dinheiro — só o dinheiro necessário, diga-se de passagem; ninguém aqui tava falando em fazer fortuna — trouxesse, finalmente, a felicidade. Se, no entanto, nada disso desse certo, será que eles se contentariam em se formar médicos, dentistas, engenheiros e advogados?