Filosófico e arrebatador, filme da Netflix é um pequeno tesouro e vale cada segundo do seu tempo Sebastián Monreal / Netflix

Filosófico e arrebatador, filme da Netflix é um pequeno tesouro e vale cada segundo do seu tempo

Jorge Garcia alavancou sua carreira na série “Lost”, na qual atuou entre os anos de 2004 e 2010. Depois, ele ainda teve outros papeis de sucesso, em “Alcatraz” e “Hawaii Five-0”. Embora sejam poucos os filmes que a gente vê o ator estrelar, seu rosto é inconfundível. Mesmo em uma produção chilena, logo nas primeiras cenas de “Ninguém Sabe que Estou Aqui” a gente já reconhece Garcia. Seu espanhol é aparentemente muito avançado, apesar de ter nascido em Omaha, no estado do Nebraska. É que seu pai é chileno e sua mãe, cubana.

Garcia interpreta Memo, um jovem tímido e misterioso, que mora e trabalha em uma ilha, que funciona como curtume, com o tio. Ele vive isolado no local e quase não pronuncia nenhuma palavra com ninguém.  Quando está sozinho, veste uma capa brilhante e empunha um microfone e se imagina em um palco cantando e dançando, sendo ovacionado por um público imaginário.

Flashbacks nos dão fragmentos de memórias que revelam, de pouco em pouco, quem seria Memo e o que teria acontecido a ele. Com uma voz doce e encantadora, Memo teve seu talento explorado, desde muito novo, pelo pai e por um empresário. Embora tenha nascido com uma habilidade vocal angelical desejada por todos, ele não possuía a aparência certa de uma celebridade. Sempre acima do peso e considerado não-atraente, Memo (Lukas Vergara) havia sido contratado para cantar sem aparecer. Enquanto cantava, quando menino, escondido atrás de uma caixa de som, quem aparecia o dublando na frente dos palcos era Angelo (Vicente Alvarez e Gastón Pauls). Sua voz e a beleza do outro garoto transformaram Angelo em uma grande estrela da música, idolatrado por milhares de adolescentes. Mas há algo misterioso que teria ocorrido em seu passado e que só descobrimos próximo do final.

Quando Marta (Mirallay Lobos) aparece na ilha para negociar com o tio de Memo, ela logo se vê intrigada por aquele jovem silencioso que não consegue encará-la diretamente nos olhos. Aos poucos, Marta consegue penetrar em seu mundinho e ele revela a ela sua verdadeira identidade. Marta grava um vídeo de Memo cantando. De alguma forma, as coisas se desenrolam para que ele viralize na internet e tenha seu rosto exposto para o mundo inteiro.

Apesar de ter sua intimidade e seu esconderijo revelados, a nova onda de fama poderá o ajudar a consertar o que seja lá que tenha ocorrido no seu passado e interrompido sua carreira.

“Ninguém Sabe que Estou Aqui” é um filme de andamento lento, com poucos diálogos e muitas imagens contemplativas, que transbordam beleza e sentido. A atuação contida e melancólica de Jorge Garcia é tocante e arrasadora. Ele, que também tem habilidades musicais, é a voz por trás da música-tema do filme “Nobody Knows I’m Here”.

De uma forma muito discreta, o filme dirigido por Gaspar Antillo e escrito em parceria com Josefina Fernández e Enrique Videla mostra como a indústria do entretenimento, unida à imprensa e as redes sociais, podem ser cruéis e invasivas, tribunais públicos e arenas de circo, onde quem não se encaixa é uma espécie de aberração transformada em atração. Os disparos das câmeras dos paparazzi parecem tão agressivos e fatais quanto os de uma metralhadora. A sociedade do espetáculo não perdoa ninguém.


Filme: Ninguém Sabe que Estou Aqui
Direção: Gaspar Antillo
Ano: 2020
Gênero: Drama / Musical
Nota: 8/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.