Agonizante, filme da Netflix tem 100% de avaliações positivas e é um dos mais brutais e perturbadores de 2022 Lasse Frank / Miso Film

Agonizante, filme da Netflix tem 100% de avaliações positivas e é um dos mais brutais e perturbadores de 2022

Em uma guerra, as principais vítimas são exatamente as pessoas que não têm nada a ver com ela. Idosos, mulheres, crianças, pessoas que têm suas vidas desmanteladas geralmente por uma busca desenfreada de poucos por dinheiro, poder e demonstração de superioridade. Em “O Bombardeio”, o cineasta Ole Bordenal conta a história real baseada no ataque britânico contra a sede da Gestapo, em Copenhagen. Inicialmente, a empreitada contra os nazistas na Dinamarca é bem-sucedida e os arquivos da Gestapo são destruídos, mas após um avião cair nas proximidades de uma escola infantil católica, o alvo é confundido e a instituição cheia de crianças e freiras é colocada sob ataque.

No filme, acompanhamos a tragédia sob vários olhares. Temos as crianças, os pais delas, a freira Teresa (Fanny Bordenal), o nazista Fredrik (Alex Høgh Andersen) e os soldados britânicos. Nos primeiros minutos, Henry (Bertram Bisgaard) é um menino que avista um carro cheio de mulheres mortas alvejadas por soldados. Aterrorizado pela visão sangrenta, ele perde a habilidade de falar. Depois, a pequena Eva (Ella Nilsson) vê o jovem nazista Svend Nielsen (Casper Kjær Jensen) levar um tiro na cabeça em uma via pública. E essas cenas são apenas prenúncios que algo pior está por vir.

A noção de patriotismo parece bem bonita na teoria. A unidade da nação e o orgulho pelos símbolos e pela cultura. A ideia de se defender a todo custo seu território. Tudo parece bem romântico, mas a prática é que a nação, que deveria ser o povo, é um líder, um presidente ou rei que, na maioria das vezes, tem interesses pessoais controversos e pouco pensa nas consequências de suas decisões sobre os cidadãos.  Uma engrenagem deste sistema de poder é o soldado nazista Fredrik, que confronta sua própria culpa ao escutar da freira Teresa que ele é o próprio demônio na Terra. “Tarde demais”, ele diz. “A guerra já acabou. Eu estou fadado”. Mas ela está disposta a salvá-lo de sua condenação, seja mundana ou espiritual, inclusive quando forja uma mensagem divina, furando o próprio dedo para fingir que uma escultura de Cristo sangrou dentro do templo. Isso mostra a própria incredulidade de Teresa em esperar por uma ação contundente divina que vá impedir o mal no mundo. Ela precisa tomar as rédeas e burlar a fé.

De volta às crianças, antes de ir para a escola católica, Eva recebe um sermão do próprio pai ao se negar comer o almoço. Ele diz que ela irá morrer se não se alimentar. Para a infelicidade deste pai, a escola de Eva se torna alvo de ataques britânicos horas mais tarde. Com dezenas de crianças desaparecidas, as famílias se reúnem em um teatro, onde aguardam notícias de seus filhos. Henry se torna um assistente, auxiliando no reencontro das famílias. Enquanto isso, Eva desaparece deixando seus pais desolados.

Durante os trinta minutos finais do filme, o espectador se angustia com o resgate das vítimas, o sofrimento de quem está preso e não consegue sair das estruturas bombardeadas da escola, com a espera dos pais pelas informações. Fredrik tem seu momento de redenção quando decide arriscar sua própria vida para entrar nas ruínas e salvar as crianças presas.

Nesta produção de guerra, Bordenal parece equalizar os soldados britânicos aos nazistas, mostrando-os desastrados e cruéis o suficiente para realizar uma operação malfadada que resultou na morte de muitos inocentes. Ele os reduz, inclusive, quando decide colocá-los como seres unidimensionais, sem profundidade. Por outro lado, ele dá para Fredrik sua chance de mostrar que, por baixo do uniforme nazista, há uma alma atormentada e confusa. De fato, as tragédias da Segunda Guerra ainda são feridas a queimar na alma da Europa e que, quando cutucadas, se abrem e sangram.


Filme: O Bombardeio
Direção: Ole Bordenal
Ano: 2022
Gênero: Guerra
Nota: 9 /10