50 tons de cinza: o amor é fogo que arde sem se ver?

50 tons de cinza: o amor é fogo que arde sem se ver?

Lia parcamente. Vivia porcamente. Não gostava de poesia. Nunca ouvira falar em Luís Vaz de Camões. Era viciado em sexo, mas, péssimo nas traições. Regra geral, algo sempre saía errado. Por exemplo: o lance da tortura erótica com uma vela de sete dias durou apenas sete minutos e foi um verdadeiro fiasco: o sujeito foi parar num pronto-socorro com queimaduras de segundo grau nos colhões. Em matéria de aventuras extraconjugais, era assíduo, mas, desajeitado.

Certa noite, aproveitando que a cidade dormia, ficou nu e fez sexo com a estátua de uma pioneira — um monumento que tinha corrimento com cor de cimento —até ficarem colados um no outro. Só despregaram depois que dois moleques insones começaram a lhe atirar pedras. O cúmulo do absurdo foi violar túmulo da soldado desconhecida e transar com a órbita ocular da caveira durante um daqueles surtos psicóticos. Mundo cão esse da literatura: escreve-se tudo o que vem à cabeça, sem medir as consequências.

Inconsequência mesmo foi dormir com a tal dona infeliz, que tinha um tufão nos quadris: ele ganhou uma hérnia de disco, mas perdeu a coleção de bolachões do Chico Buarque. Por causa de uma economista perdulária que despachava no Ministério dos Mistérios em Brasília, gastou todas as economias que escondia dentro da cloaca de um porco capiau que ele e a esposa criavam no quintal. Porcos não têm cloaca? O suíno era deles, o texto é meu: nada posso fazer a respeito.

A amante da loja de diamantes exigiu que, daquele momento em diante, ele tinha que dar mais valor a ela. Resultado: chamou-a de falsa e sumiu. Teve um caso marcante com uma tatuadora viciada em Black Sabbath: enciumada, ela tentou perfurar sua carótida com dentes de alho. Meteu-se a besta com uma juíza de direito de comportamento bipolar: uma hora queria pular de um penhasco; outra hora, empurrá-lo da sacada do prédio. Namorou uma enfermeira que, intoxicada pelo vazamento de gás hilariante proveniente de um velório, mijou de tanto rir quando ele arreou as calças. A camareira semianalfabeta fez das tripas oração e escreveu com coco na parede do motel: “Ateu fila-da-puta, você é ruim à beça na cama”.

Com uma jovenzinha depravada, filha de um ilustre empresário da iniciativa privada — a qual preferia mil vezes casar-se virgem com um noivo abastado da elite do que ceder o sacrossanto lacre himenal ao deleite de um rola-bosta da classe operária — jamais fizera tanto sexo anal na vida, ao ponto de se sentir um merda. Ficou desentendido quando a titular da delegacia de proteção às mulheres intimou-o a verem no cinema um campeão de bilheterias chamado “50 tons de cinza”. Como se isso já não bastasse, ela exigiu, bêbada de tesão, que o estupefato amante chicoteasse o seu habeas corpus até que ela dissesse já chega. Nem as chagas de Cristo expostas pela igreja foram capazes de dissuadir uma noviça ateia, que abrira o seu zíper utilizando apenas os dentes, enquanto lustrava um castiçal gentilmente doado pelo Vaticano.

Quanta bobagem?! Bobagem mesmo é a dicotomia latente nos miolos das pessoas: há muito conservadorismo e fantasia digladiando o tempo inteiro. Então, tomem um pouco mais do mesmo: ele pulou a cerca em prol de uma potranca incrível que aportara na vizinhança, mas quase perdeu as bolas no arame. Perdeu a cabeça, consultou e consumou adultério com uma médica do SUS especialista em acertos médicos, que lhe receitou vinte gotas de dipirona para curar uma baita dor de cotovelo. Bebeu mais do que devia num baile de carnaval, enxergou princesas onde só havia dragões, e acabou fazendo sexo oral num travesti que se parecia demais com a Sharon Stone. Ah, se fosse a Sharon. Encontrou numa espeleologista tarimbada em gargantas profundas alguém finalmente confiável para entabular um caso amoroso mais duradouro e, de quebra, tirar aquele desagradável gosto de água sanitária da sua boca.

Matou uma curiosidade besta ao fazer sexo com uma anã albina cega de um olho, mas ela tinha muita visão das coisas e desdenhou da aventura, ao garantir que ele não era lá grande coisa. Levou uma equilibrista desequilibrada para passear no Play Center e vomitaram maçãs de amor um no outro ao tentarem um beijo de língua dentro da xícara maluca. Pensou que era o protagonista de um romance incrível com uma escritora famosa que odiava estereótipos, mas acabou morto por ela logo primeiro capítulo do livro. Por que não pensei nisso antes?