A melhor viagem é ficar em casa

A melhor viagem é ficar em casa

Vi nascer perto de mim o livro “Viaje na Viagem — Auto-Ajuda para Turistas”, do meu colega publicitário Ricardo Freire. Foi no tempo em que, para se empreender uma jornada digna, era preciso consultar revistas inglesas, como a Conde Nast Traveller.

Hoje, o Ricardo pilota livros, site, Twitter, Instagram e programas diários em Fm’s. Acabaram-se as dúvidas: a religião não é mais o ópio do povo, é o turismo. Se assim for, sou ateu. Viajei muito até os 40 e poucos anos e agora, como ironizava o Millôr, espero que Veneza venha até a minha pessoa e não eu até Veneza.

Essa preguiça crônica por deslocamentos, sem dúvida, deu-se por causa de minha última investida a Portugal.

Depois de buscar por um hotel razoável numa pequena cidade da Beira Baixa desisti e cai numa velha hospedaria de periferia. Era noite alta e aceitei o primeiro quarto que o estalajadeiro me ofertou.

O calor estava de fritar alheiras na calçada. Como não havia ar condicionado arreei a janela da câmara. Cansadíssimo despenquei na cama do jeito que estava. Minutos depois, um estrondo me despertou: um pombo gordo pulara para dentro da habitação.

Começou a caça. Eu corria atrás da ave e, quando ia pegá-la, a maldita alçava aquele irritante voo curto dos columbiformes. E assim foi até que a senhora do quarto ao lado passou a embirrar com a barulheira:

“Ó bizinho, estás a cabalgaire aí em vossos apusentus?”, ela gritou, enraivecida.

Trocamos algumas palavras duras. E, exaltado, decidi cometer uma maldade maior. Quando finalmente agarrei o pombo lusitano, lancei-o na janela da mulher. Foram cerca de dois minutos de uivos agudos e palavrões que nunca ouvira na vida (“que um toiro lá da Mouraria se deite por cima de ti, ó, p’derasta!)

Mas, uma hora, tudo cessa. Antes de adormecer cheguei até a sentir fome. Liguei ao estalajadeiro e pedi um queijo quente.

“Somente o caijo quente?”, indagou ele.

Disse-lhe que sim. Em 15 minutos, o homem bateu à porta segurando um prato onde havia um pedaço de queijo muçarela derretido.

“E o pão?”, quis saber, confuso.

“Falaste que só querias o caijo quente…”, explicou ele.

Após a “refeição”, dormi pesadamente apesar da cama não ficar na posição horizontal. Instalei uma cadeira empoeirada em sua proa, mas esta não resistiu ao meu peso e caímos – cadeira, colchão, estrado e eu.

Às seis da manhã, inteiramente picado por pulgas e muriçocas, acordei com o arrulho de vários pombos ciscando em minha janela — ao lado da habitação ficava um galinheiro.

Para não cruzar com a vizinha sai correndo do quarto e ordenei o “check-out”. Enquanto o estalajadeiro fechava as contas, fui à salinha de maletas no hall, puxei a minha, paguei as despesas e dirigi-me à estação onde peguei o comboio para Lisboa.

Num hotel infinitamente melhor da capital, abri a mala antes do merecido banho de banheira e veio a surpresa: a valise que pegara na salinha era a da minha grosseira vizinha de quarto.

Descobri porque — além dos pombos, galinhas, pulgas e muriçocas — só se hospedavam na velha estalagem ela e eu.