Ganhador do Leão de Ouro e do Oscar, drama genial com Scarlett Johansson está de volta à Netflix

Ganhador do Leão de Ouro e do Oscar, drama genial com Scarlett Johansson está de volta à Netflix

A rotina do ser humano muitas vezes se revela uma jornada marcada pela monotonia, uma luta incessante contra os fantasmas mais profundos que habitam os recônditos inexplorados de nossa psique. Diariamente, mesmo que de forma sutil, todos nós nos questionamos sobre a possibilidade de retornar ao que éramos outrora. Noites de sono perdidas, estendendo-se para além do expediente de trabalho, são consumidas por devaneios selvagens, conjecturando sobre os diferentes rumos que nossa vida poderia ter tomado diante de decisões diversas.

Gastamos uma energia considerável com reflexões vagas, absorventes, mas efêmeras diante da efervescência da vida lá fora. Questionamos incessantemente o que seríamos se não fossemos quem nos tornamos, mergulhando em um labirinto de incertezas que guardam mistérios impenetráveis, mesmo para nós mesmos. No fim de tanto esforço autoimposto, após um sofrimento interminável, chegamos ao término de um caminho que parece não levar a lugar algum, carregando conosco mais dúvidas do que quando começamos, sem uma direção clara em mente. E assim nos encontramos, exaustos e desorientados.

A sensibilidade para compreender que a vida, embora desprovida de lógica, é uma sucessão de absurdos, cada um com sua própria razão de ser, prontos para explodir diante de nós sem que possamos fazer nada a respeito, talvez seja uma das maiores realizações que um indivíduo pode alcançar. O tempo avança implacavelmente, indiferente aos nossos apelos, até que um dia nos damos conta de que perdemos o controle sobre nossas próprias vidas. Viver se transforma em uma farsa desinteressante da qual nos recusamos a participar, mesmo estando no centro do palco. Nos vemos envolvidos em projetos que não nos trazem prazer algum, mas que ainda assim persistimos em seguir adiante, teimosos e constrangidos, cometendo erros que nos condenarão muito antes do que imaginamos.

Sofia Coppola emerge como uma cineasta tão rara quanto perspicaz. Poucas vezes na história do cinema alguém conseguiu expressar, com tanta sutileza e humor, a angústia inerente à condição humana, não tanto em relação ao caos do mundo ou à impossibilidade das utopias, mas sim em relação às escolhas que fazemos. “Encontros e Desencontros”, na Netflix, apresenta um casal improvável, um anti-casal composto por um homem e uma mulher que se reconhecem após um longo período de tormento silencioso, precisando recomeçar boa parte de suas vidas antes que seja tarde demais. Filha de um dos grandes mestres do cinema, Francis Ford Coppola, a diretora utiliza enquadramentos meticulosamente calculados para proporcionar ao público uma visão íntima dos sentimentos de seus personagens, tentando compreender suas origens e suas crises, tal como seu pai fazia.

A sequência que introduz o primeiro encontro entre esses dois personagens tão singulares é profundamente simbólica. Bob Harris, o ator de meia-idade interpretado por Bill Murray, fica simplesmente fascinado com a paisagem urbana de Tóquio que se desdobra diante de seus olhos, vista do interior de um táxi. Os outdoors gigantescos, cintilando em neon, perdem rapidamente seu encanto diante de um ambiente que se revela hostil, apesar da aparente calma dos habitantes locais.

Como sugere o título original, a barreira linguística é apenas uma das muitas dificuldades que Bob e outros estrangeiros enfrentam na cidade. Murray confere ao seu personagem uma aura de completo desapego, que começa consigo mesmo e se estende para todos os aspectos de sua vida. Existe um deslocamento geográfico, sim, mas, antes de tudo, há um desajuste interno, uma falta de identidade consigo mesmo. Por um acaso do destino, Bob conhece Charlotte, uma jovem sem uma identidade própria, cuja existência é definida por um marido que a negligencia em um quarto de hotel enquanto ele passa dias acompanhando uma banda de rock como fotógrafo.

A doçura agridoce de Scarlett Johansson é perfeitamente capturada, e a química entre ela e Murray, mesmo que esse pseudo-romance nunca se concretize (eles se beijam brevemente na sequência final, e só), é um dos grandes momentos do cinema contemporâneo. Bob e Charlotte são almas gêmeas que se cruzam brevemente como cometas, para nunca mais compartilhar o mesmo céu.


Filme: Encontros e Desencontros
Direção: Sofia Coppola
Ano: 2003
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10