Obra-prima de Graham Moore é o melhor suspense do cinema mundial nos últimos 2 anos e está no Prime Video Divulgação / Focus Feature

Obra-prima de Graham Moore é o melhor suspense do cinema mundial nos últimos 2 anos e está no Prime Video

A olho nu, o terno parece ter duas peças — na verdade, três, a se incluir o colete —, o paletó e a calça, feitos de quatro tecidos: algodão, linho, mohair e seda. A confecção do traje mais universal do guarda-roupa masculino já foi uma arte que apenas as mãos verdadeiramente refinadas poderiam dominar, uma artesania tão cartesiana que se alongava por mais de duzentos passos, dentre os quais medir, cortar, desenhar o molde e alinhavar as partes eram os mais importantes.

Pelas primeiras cenas de “O Alfaiate” tem-se uma ideia da classe por trás da história de um homem que encarna a própria elegância, mas oculta dois grandes segredos, um antes e outro depois de seu deslocamento compulsório de Londres para Chicago pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Agora como diretor, Graham Moore continua escolhendo com método o que tirar da cartola e o que manter longe do olhar do curioso público, exatamente como fez com o texto de “O Jogo da Imitação” (2014), dirigido por Morten Tyldum, trabalho que o levou ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2015. Aqui, sua parceria com o corroteirista Johnathan McClain rende 105 minutos do melhor suspense num encadeamento de lances que açulam os sentidos, porém nunca gratuitos. E sempre certeiros. 

As produções que, de um jeito ou de outro, tem a Segunda Guerra como pano de fundo tornaram-se tão usuais que se configuram um gênero à parte em meio aos filmes de guerra. Nessas histórias, plenas de movimento, às vezes quase a ponto de cansar o espectador, situações impensáveis em tempos de normalidade política e personagens ricos, complexos, plurais, para o bem e para o mal, vão saindo das brumas do tempo para se apresentar sob uma forma um pouco menos abstrata, adquirem contornos humanos, com suas dores e suas glórias, conquistam graças à  intrepidez de suas ações ou escandalizam e provocam o asco devido à covardia, à  indiferença para com os demais, ao ódio indisfarçado e orgulhoso quanto a seu comportamento bárbaro. Cada vez mais, temas espinhosos — e batidos —, como, claro, a hegemonia de Adolf Hitler (1889-1945) na Alemanha dos anos 1930 e 1940, ganham pontos de vista novos e excepcionais, o que leva à conclusão imediata de que o assunto, definitivamente, não está superado e de que é sempre necessário se falar sobre suas questões mais nebulosas. 

O alfaiate do título é Leonard Burling — e é precisamente desse jeito que ele exige ser chamado, nada de costureiro. Malgrado dê vida a um tipo muito semelhante ao que materializa em “Ponte dos Espiões” (2015), levado por Steven Spielberg, Mark Rylance descobre os meandros pelos quais circula seu personagem, uma espécie de lorde decaído que abandonou a querida Savile Row onde construíra um pequeno império menos por causa do avanço de Hitler que pela pauperização selvagem da população, que, claro, apelaria à praticidade e aos baixos preços do jeans, tirando a alfaiataria das vitrines da Inglaterra.

Tudo em Rylance se encaminha para que se suspeite que Burling tem uma relação qualquer com a Outfit com que Moore batiza seu nome no original, a máfia dos irlandeses comandada pelo Roy Boyle vivido por Simon Russell Beale. O Alfaiate (ou O Inglês, como dizem dele com escárnio Boyle e o filho, Richie, de Dylan O’Brien) está mesmo envolvido até o pescoço com o personagem de Beale e seus gângsteres, mas não como se espera — e essa é a grande surpresa que o diretor reserva para o desfecho. Leonard Burling pode ser um mero artista dos panos, mas sua vingança é um manto que costura com a delicada austeridade de um grande mestre. 


Filme: O Alfaiate 
Direção: Graham Moore 
Ano: 2022 
Gêneros: Thriller/Suspense 
Nota: 9/10