Comédia romântica levinha que acaba de chegar à Netflix vai melhorar seu dia instantaneamente Divulgação / Netflix

Comédia romântica levinha que acaba de chegar à Netflix vai melhorar seu dia instantaneamente

Se as relaçõeshumanas são pródigas em atritos, as relações de natureza compulsóriaestão sempre a um passo do bate-boca, da troca de sopapos, da delegacia e de anos do insuportável vaivém junto às instâncias do Judiciário. É impossível saber o que acontecer para além daqueles dez centímetros de concreto à esquerda, à direita, acima e abaixo, ou por trás de inocentes cercas brancas e, em assim sendo, cada qual que se encarregue de tratar de sua própria vida, torcendo para que nunca surpreenda-nos o dia em que, no meio da noite, um cheiro de queimado não nos invada a janela depois que alguém chega exausto de um plantão e inventa de fritar um bife, alarmando toda a rua.

Os dois vizinhos muito diferentes que protagonizam “Uma Parede entre Nós” passam boa parte dos 98 minutos pelos quais se alonga esse anti-romance sem se encontrar cara a cara, porém esse distanciamento físico não é o bastante para fazer cada um seguir sua vida, uma prova de que o destino, quando contrariado, acaba se encarregando de sua tarefa com as armas os homens. A espanhola Patricia Font vai muito além da óbvio ao esmiuçar o roteiro de Marta Sánchez e tornar seu filme uma engenhosa crônica sobre a dificuldade de se viver um amor, grande ou pequeno, longe ou no apartamento ao lado. 

Ninguém ama impunemente. O verdadeiro leva muito tempo para se realizar em plenitude, o que significa passar por cima das próprias vontades — por mais certo que se possa estar — bater de frente com as opiniões e conceitos ditos certos, abdicar dessa mesma certeza em nome do que o outro considera imprescindível à felicidade, sua e do casal, ainda que, novamente, se saiba muito bem aonde levarão os sonhos de que nascem mortos, sem qualquer chance de vingar, de um e do outro.

No momento em que compreendem, não sem muitas batalhas contra os moinhos de vento que foram construindo ao longo de toda uma vida, que o propósito de estarem juntos é descobrir o que, afinal, os mantém irremediavelmente unidos, lutando para dar novo ímpeto ao que têm em comum e se pôr a salvo de fantasias pueris sobre amor eterno e tórridos folguedos de alcova para além da idade adequada, os cônjuges e, por que não?, da mesma forma os amantes, esses dois elementos que acabam por virar um único ente às vistas da sociedade — malgrado ninguém se sinta à vontade de o admitir — dispõem de uma possibilidade infinitamente  maior de serem felizes, por mais que esse ínterim de ventura e remanso em meio ao eterno turbilhão que é a vida nunca se apresente.

Um prédio que reúne um pianista e cantora e um homem igualmente talentoso, voltado ao desenvolvimento de jogos à moda antiga no mesmo andar, separados por uma parede fina e oca, tem qualquer coisa de fantástico, aspecto que Font vai explorando com parcimônia, sobretudo no primeiro ato. A certa altura, a diretora se concentra na jornada de Valentina, a representante artística do enredo, escandindo os versos de uma canção melosa qualquer ao ritmo suave do piano, até deslocar o foco para David, o aspirante a Professor Pardal, tão bonito quanto ranzinza. Aitana e Fernando Guallar partilham momentos, mas funcionam melhor nas cenas em que conversam cada um no seu canto, separados pela parede do título. A despeito de como se saiam, não é surpresa que essa barreira caia. Literalmente.


Filme: Uma Parede entre Nós 
Direção: Patricia Font
Ano: 2024
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 7/10