Romance com Rachel McAdams, no Prime Video, é perfeito para ver aconchegado no sofá em um dia chuvoso

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Tem gente que acredita que retroceder a uma determinada passagem de sua história, munido de uma certeza algo tresloucada quanto ao que fazer para reparar equívocos desse ou daquele jaez, seria a panaceia de males de uma vida inteira. Tim, o protagonista de “Questão de Tempo”, chega aos 21 anos socorrendo-se de tal fantasia, ainda que, no seu caso, tenha razões concretas para iludir-se à vontade. Essa é uma antiga fixação do cinema, canonizada com o merecido louvor por Harold Ramis (1944-2014) em “Feitiço do Tempo” (1993), a saborosa fábula na qual Phil, o desditado meteorologista de Bill Murray, fica preso no mesmo dia por anos a fio, assistindo de camarote ao naufrágio de seu casamento em contraposição ao sucesso profissional, congelado frente aos movimentos tão particulares da vida, tentando ratificar sua leviandade e sua tacanheza de espírito para, afinal, voltar ao que era antes, voltar ao futuro.

Aqui, Richard Curtis vira a chave na direção oposta, e dá a Tim o poder de ir e vir na contramão dos acontecimentos quantas vezes desejar, apenas no sentido do ontem e desde que seus atos não interfiram na vida de ninguém que não seja ele mesmo — como se fosse possível. Depois que o espectador toma sua dose de licença poética e resolve embarcar de corpo e alma no delírio de Curtis, o diretor-roteirista o presenteia com um enredo sedutor de maneiras as mais diversas, uma viagem multissensorial, divertida e comovente.

A vida seria uma inútil maravilha se, de tempos em tempos, não tivéssemos um rasgo de incerteza quanto às milhares de questões que fustigam o gênero humano. Conforme os anos se sucedem, mais a ideia de que tudo converge para um irremediável fim toma vulto, já que o plano físico, por mais amplo e até elástico que pareça, com sua ciência aplicada, firme no intuito de prolongar a vida do homem ad aeternum, é e sempre continuará a ser limitado.

O passar do tempo e a maturidade — variações sobre um mesmo tema, que não necessariamente convergem para a mesma direção — impõem-nos a lucidez do raciocínio que prega a importância fundamental de se encontrar no mundo um lugar que seja nosso, nosso e de mais ninguém, tendo claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, imutável, sem fim, já que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida (e na maior parte da jornada é exatamente o oposto disso). Na verdade, a lúdica empreitada de viver jamais deixa de condicionar-se aos muitos desvios que o próprio existir trata de planejar com o capricho de que nunca seremos capazes — o que só torna nossa pequenez tanto mais irrefutável.

Curtis explica o assunto central de seu filme numa cena em que seu protagonista, interpretado com convicção e doçura por Domhnall Gleeson, tem uma conversa bastante objetiva com o pai, que lhe fala do grande segredo que reveste a natureza dos homens da família. Bill Nighy compõe com o personagem de Gleeson — tão crédulo quanto em “Ex_Machina – Instinto Artificial” (2015), ainda um de seus melhores trabalhos, porém mais atilado que no longa de Alex Garland — a dupla que sustenta toda o conto de fantasia e esperança que há por trás de lances às vezes meio austeros demais (a história toda se passa entre Londres e Crawley, um subúrbio da capital inglesa), a despeito das excelentes participações femininas, sobretudo da Charlotte de Margot Robbie e de Rachel McAdams na pele de Mary, duas aspirações românticas do mocinho.

Curtis replica argumentos de “Simplesmente Amor” (2003), aos quais confere uma cara menos datada, e o resultado é uma narrativa em que continua a depositar suas esperanças mais sinceras no amor, mas sem nenhuma bruxaria. A vida é, sim, uma coisa doce, e também por isso às vezes dá náuseas. E fugir para outro mundo não muda o que temos de melhor e de francamente ruim: eis o que Tim aprende, a duras penas.


Filme: Questão de Tempo
Direção: Richard Curtis
Ano: 2013
Gêneros: Romance/Ficção científica/Coming-of-age
Nota: 9/10