Divertido, engraçado e selvagem, o melhor filme de ação e mistério dos últimos 2 anos está no Prime Video Divulgação / Columbia Pictures

Divertido, engraçado e selvagem, o melhor filme de ação e mistério dos últimos 2 anos está no Prime Video

O que poderia dar uma trama descaradamente farsesca, em que criminosos se tratam com apelidos ingênuos como se fossem garotos trocando figurinhas na hora do recreio, mas que não prescinde das sequências carregadas de movimento, de confronto, tudo muito parecido com um mangá dos anos 1990? É impossível saber ao certo, mas ninguém duvida que seria algo muito próximo do que David Leitch mostra em “Trem-Bala”, a adaptação do diretor para o livro homônimo do japonês Kōtarō Isaka, publicado em 2010.

Muito a propósito, na fotografia de Jonathan Sela as cores, o brilho e as sombras obedecem ao critério preciso que ajuda a reconhecer no texto de Zak Olkewicz a pena de Isaka, ainda que a computação gráfica tenha poupado o orçamento e investido em miniaturas e cromaqui, os painéis verdes sobre os quais joga-se qualquer imagem. A ambivalência moral dos personagens, caricaturas que transitam do bem para o mal sem nenhuma crise de identidade, é outro dos detalhes que conferem ao trabalho de Leitch uma natureza de difícil classificação. Pode ser só entretenimento, mas pode também despertar a atenção para uma mensagem menos perecível. Ao gosto do freguês.

Deve ser dura a vida dos matadores de aluguel. Quase sempre é necessário que se largue tudo, abandone-se a vida que se levava e a partir de então o postulante à vaga de sicário esteja livre para dar uma guinada em sua trajetória e consiga acessar os meandros mais obscuros de seu espírito, enterrando primeiro a sensibilidade, depois a empatia e por fim o remorso, numa passagem mística entre a pobre carne e a transcendência, onde se revelam todos os segredos.

O diretor toca em assuntos espinhosos como racismo, sexo, drogas, as perenes iniquidades hipócritas de um jeito de viver que foge ao padrão civilizatório mais elementar, puxando para a superfície a urgência de um humanismo meio torto, mas necessário assim mesmo, o que nem de longe afasta o público, pelo contrário: quanto mais coragem Leitch usa na elaboração de seus conceitos duvidosos, mais o espectador sente-se compreendido, abraçado, certo de que as dores daquelas pessoas insanas são verdadeiras.

O Joaninha — sim, ele atende por esse nome — de Brad Pitt embarca num trem com o propósito de roubar uma pasta prateada decorada com pequenas locomotivas e descer o quanto antes. Joaninha fora chamado de última hora, em substituição a outro pistoleiro, e esse é uma minudência saborosa do roteiro de Olkewicz: o assassino cruel que protagoniza o longa acaba de sair de uma reabilitação para homens violentos e não quer ter de lidar com a tentação de dispor de uma arma de fogo.

Pitt contracena com um elenco tão vasto como talentoso, e conforme Joaninha se depara com tipos igualmente repulsivos a exemplo do Príncipe, resta mais inequívoca sua miséria existencial. Joey King — sim o Príncipe é uma garota — sustenta a performance mais e mais cheia de nuanças do veterano ao passo que revela a louvável habilidade de camuflar as emoções da bandidinha. A dupla é de longe a melhor coisa aqui.


Filme: Trem-Bala
Direção: David Leitch
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Comédia
Nota: 8/10