Baseada em livro que vendeu 25 milhões de exemplares, a maior história de amor dos últimos 3 anos está na Netflix Parisa Taghizadeh / Netflix

Baseada em livro que vendeu 25 milhões de exemplares, a maior história de amor dos últimos 3 anos está na Netflix

Pode-se dizer muito sobre uma pessoa tomando-se por análise quantas vezes ela se apaixonou ao longo da vida. Quando a paixão é intensa, o amor não tarda a florescer, como a rosa num campo antes ressequido dos ventos da estiagem, e se o amor é verdadeiro, não demora a vir uma torrente de correspondências de toda sorte, cartas, inclusive, mesmo na era da comunicação instantânea e das emoções tão voláteis quanto tóxicas, para empregar uma palavra do vocabulário hodierno.

“A Última Carta de Amor”, dirigido por Augustine Frizzell a partir do best-seller de Jojo Moyes, faz de uma troca de missivas românticas o fundamento para a construção de uma história às vezes previsível, mas requintada, e nunca gratuita. Frizzell sempre consegue pinçar do texto da escritora a justa medida de desalento de uma mulher que se perde de si, mas se ampara na certeza de que sua vida não é o lago cinzento e tépido de melancolia e alheação que querem fazê-la aceitar a contrapelo.

O filme avança e retrocede, promovendo o encontro do passado com o presente na figura dessa mulher e uma sua antípoda, a encarnação mesma do sentimento amoroso mais puro e uma espécie de cinismo autorregulado, à prova de reproches sociais, até que uma começa a interferir na visão de mundo da outra, e mistérios ainda ocultos revelam-se.

O roteiro de Moyes, Esta Spalding e Nick Payne acompanha duas protagonistas, uma socialite frívola dos anos 1960, retomando sua vida depois de sofrer um acidente que a deixou sem memória; e Ellie Haworth, uma jornalista nossa contemporânea, que descobre uma carta de amor perdida nos arquivos do jornal onde trabalha. Ellie tem de escrever o necrológico de um editor recém-falecido, o que a obriga a remexer o centro de documentação, e para chegar lá, deve primeiro impor-se sobre a defesa de Rory, o gélido arquivista de Nabhaan Rizwan. Ellie, com Felicity Jones pouco a pouco mais intrigante, não chega a se entusiasmar com a tarefa, sequer com a descoberta de um envelope jogado em meio a um monte de papéis, e o fato de se tratar de uma potencial declaração de amor entre pessoas que decerto já não têm mais quaisquer vínculos com este mundo também não lhe desperta nenhum grande entusiasmo.

Esse é o pretexto de que a diretora precisava para levar a trama até meados da década de 1960, quando uma certa Jennifer Stirling troca confidências com alguém que se identifica como Bota. Stirling, que também prefere assinar somente com a inicial de seu prenome, dá a impressão de ter sido uma esposa amorosa; entretanto, o passeio a que Frizzell convida o público trata de esclarecer que não era Lawrence, o marido interpretado por Joe Alwyn, o destinatário das metáforas plenas de lirismo em que J. empenhava um coração nitidamente obsesso, aflito por se refazer.

Nunca resta claro o motivo pelo qual Jennifer se acidentara, mas a diretora mitiga possíveis deficiências semânticas investindo na concepção visual de seu trabalho. Shailene Woodley presta-se a uma mocinha particularmente encantadora nos vestidos e chapéus à Jacqueline Kennedy (1929-1994) idealizados por Anna Robbins, ao passo que Callum Turner entra na história na pele de Anthony O’Hare, um correspondente estrangeiro em todos os detalhes pensado para suprir as carências da personagem de Woodley, ressentindo-se cada vez mais das solitárias viagens a negócios do marido.

Não há mais tanto a se esperar desse núcleo, uma avalanche de iterações a respeito das carências afetivo-sexuais das dondocas entediadas de há sessenta anos, repisadas sempre que necessário pela literatura de aeroporto para certas mulheres feita por Moyes — conceito sublimemente aproveitado em “Longe do Paraíso” (2002), de Todd Haynes, por exemplo —, e de novo Frizzell volta o leme rumo a praias mais estimulantes. A atração de Ellie e Rory, sempre a uma centelha de explodir, consuma-se, atestando que em “A Última Carta de Amor” a mais lírica forma de romance era, desde o princípio, o tema principal do filme. Por redundante que isso pareça.


Filme: A Última Carta de Amor
Direção: Augustine Frizzell
Ano: 2021
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10