O filme mais angustiante e perturbador do último ano acaba de chegar à Netflix

O filme mais angustiante e perturbador do último ano acaba de chegar à Netflix

Cada uma a seu modo, famílias enfrentam as dificuldades que só elas mesmas conhecem. Filhos crescem e não têm vontade alguma de renunciar a seu quinhão de mundo; pais por sua vez sentem-se perdidos em meio à cornucópia de transformações que interferem na sua própria maneira de levar o que lhes resta de vida, e esse compasso de uma maneira ou de outra, cedo ou tarde, deságua num caos de proporções inéditas e desafiadoras, cuja solução talvez nunca se revele.

O cinema tailandês é conhecido por fazer das esquisitices nossas de cada dia filmes cheios de revelações nada óbvias quanto ao modo tão pouco cortês de que lança mão a vida para afogar-nos no oceano de rancor que nós mesmos criamos, e “Inquilinos Macabros” mistura uma dose generosa de terror a um drama bastante peculiar, o que ganha contornos ainda mais perturbadores em se considerando que o enredo tem um pé na realidade.

Uma notícia de jornal serviu de inspiração para o diretor Sophon Sakdaphisit traçar o perfil de membros de uma seita de culto ao diabo que, invejavelmente organizada, não tarda a alcançar seus objetivos. O roteiro de Sakdaphisit e Tanida Hantaweewatana se fixa nos aspectos banais de personagens construídos com esmero para só então dar azo ao sobrenatural da trama, mostrado em enquadramentos ousados sob cadência implacável.

Maneiras autoritárias de se relacionar com os outros, fundadas na satisfação de suas próprias vontades em detrimento das carências e das emoções alheias, são um aspecto do temperamento de boa parte dos indivíduos desde que o mundo é mundo. Quanto mais dura se nos apresenta a vida, mais se pensa ser correto exigir que ela devolva tudo aquilo que se imagina ser um direito inalienável, cada vez mais amplo, mais sem controle e que se se crê válido para qualquer um, em especial para uns poucos felizardos que nascem sob dadas circunstâncias.

Religião e fé são variações de um mesmo tema, que alcança ainda o misticismo e, refinando-se um pouco mais a perspectiva, os laços entre Deus, o homem e o que pode haver entre um e outro. Um apartamento pareceter passado por uma devassa na cena que abre os 124 minutos de “Inquilinos Macabros”, e logo resta inequívoca a natureza do mistério que ronda Ning, a dona do imóvel.

O corretor explica à personagem de Nittha Jirayungyurn que o locatário fugiu sem dignar-se a transmitir maioressatisfações, e o que Sakdaphisit mostra a seguir o justifica. Ning jamais conseguirá colocar o apartamento para aluguel, e isso significa que terá de abdicar do sonho de se mudar com o marido, Kwin, interpretado por Sukollawat Kanarot, e a filha, Ing, de Thanyaphat Mayuraleela, para uma casa maior, uma vez que o valor da locação garantia o pagamento da hipoteca da moradia com que os três sonhavam.

O diretor incrementa a aura de mistério de seu trabalho à medida que afasta Ning e Kwin, que passa a ostentar no peito a sombria tatuagem de triângulo entrelaçados, a mesma figura que ela vê por acaso nas costas de Nuch, a nova moradora da casa que quase havia conseguido adquirir. Namfon Pakdee responde pelos vários momentos de tensão do filme, que se encaminha para um segundo ato ainda mais caótico e acelerado, já anunciando o desfecho surpreendente. Como em boa parte dos longas tailandeses. 


Filme: Inquilinos Macabros
Direção: Sophon Sakdaphisit
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Mistério/Drama
Nota: 9/10