O filme que todas as pessoas deveriam assistir está na Netflix e vai estraçalhar seu coração Divulgação / Focus Features

O filme que todas as pessoas deveriam assistir está na Netflix e vai estraçalhar seu coração

Desde “Cultura Prussiana” (1908), de Mojżesz Towbin, sobre a revolta estudantil de Września em 1901, o cinema polonês apresenta à humanidade registros que, mesmo sem palavras, sempre têm alguma coisa a dizer. O filme havia sido censurado a mando do czar russo Nicolau 2° (1868-1918), e depois disso ninguém mais soube de seu paradeiro; considerado perdido até o ano 2000, “Cultura Prussiana” foi descoberto num arquivo em Paris pelo casal de pesquisadores acadêmicos polacos Małgorzata Hendrykowska e Marek Hendrykowski. A arte agradece.

Ao longo de mais de um século, a Polônia se firmou como um polo de sólida produção cinematográfica. Diretores a exemplo de Andrzej Wajda (1926-2016), Krzysztof Kieslowski (1941-1996) e o Roman Polanski de “O Pianista”, tão distintos entre si quanto talentosos, foram responsáveis por filmes engajados, líricos, provocadores, que sempre contestavam o estabelecido de algum modo, e não raro eram tachados de impróprios, imorais, abjetos.

No caso de “O Pianista”, Polanski põe para fora sete décadas de memórias horrendas, prantos contidos, elucubrações sobre o que poderia ter sido sua vida caso não houvesse escapado do Holocausto judeu, quando o pai o fez esgueirar-se pelos vãos de uma cerca de arame farpado do campo de extermínio nazista em Auschwitz, um dos mais de quarenta mil matadouros de gente que Hitler manteve em rigoroso funcionamento ao longo dos seis anos pelos quais se arrastou a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Até que o menino Raymond Roman Thierry Liebling (depois Rajmund Roman Thierry Polański) se tornasse um dos maiores cineastas de seu tempo, a jornada foi longa, e boa parte dela se faz presente nas cenas tomadas de mórbido lirismo.

É impossível não considerar que o filme seja um acerto de contas, tardio, mas urgente, do diretor com seu passado, ainda que se inspire livremente na autobiografia de Wladyslaw Szpilman (1911-2000), o pianista do título. O roteiro de Szpilman e Ronald Harwood exalta a figura corajosa do protagonista, que rompe a história tocando uma peça de Frédéric Chopin (1810-1849) numa estação de rádio de Varsóvia quando as primeiras bombas da Wehrmacht começaram a arrasar autarquias e casas da capital polonesa, já em 1939. Chopin, como o cineasta um polaco radicado na França, talvez jamais imaginasse que suas composições embalariam o sonho de liberdade de Szpilman, a exemplo de Polanski um burguês subitamente às voltas com os desmandos de bárbaros que não tinham a menor intenção de descansar até que todo o Leste Europeu restasse subjugado sob o tacão do Führer. Pelo que se nota, “O Pianista” é um enredo de tétricas coincidências, que unem três grandes personalidades da história moderna da Polônia.

Adrien Brody, charmoso como nunca, encarna Szpilman dando margem a uma forte intuição sobre o personagem central, um sujeito altivo, prepotente até, mas admirável em seu ímpeto de não baixar a cabeça para a ocupação germânica — e sobretudo manter-se fiel a seus princípios, o que não deixa de sugerir uma louvabilíssima dose de arrogância, tanto mais num cenário feito aquele.

Ao pianista é ofertada uma posição nas fileiras nazistas, o que ele, claro, nega; a partir de então, Polanski enfronha-se na maldição da vida de Szpilman em Varsóvia, que foi sua própria maldição em garoto, fugindo da SS, a polícia política hitlerista até que a guerra acabasse, contando com a ajuda da resistência polaca. Decerto isso é o que perturba num filme especialmente perturbador, a despeito dos inúmeros lances em que Brody dá reiteradas mostras da excelência de sua interpretação, mormente nos embates de Szpilman com o capitão nazista Wilm Hosenfeld, de Thomas Kretschmann, que o encontra sem querer. E tudo isso na velha Polônia, cansada de guerra, palco de tramas que só mesmo a vida é capaz de escrever.


Filme: O Pianista 
Direção: Roman Polanski
Ano: 2002
Gêneros: Guerra/Drama/Biografia 
Nota: 10