O filme hipnotizante da Netflix  Lilja Jonsdottir / Netflix

O filme hipnotizante da Netflix 

A imensidão gélida da Groenlândia é o pano de fundo para pequenos e grandes dramas humanos, uma premissa que Peter Flinth explora magistralmente em seu filme “Contra o Gelo” (2021). Este vasto território de mais de dois milhões de quilômetros quadrados serve como metáfora para a insignificância dos problemas cotidianos diante da grandeza da natureza. O diretor não demora a nos introduzir à grandiosidade da paisagem, capturada em tomadas amplas que desvendam não apenas o gelo, mas também as rochas e seres que ele oculta, incluindo os homens. Para apreciar a obra, é necessário imergir nesse ambiente inóspito, preparando-se para uma narrativa que oscila entre momentos de tensão e deslizes. 

Flinth utiliza o roteiro de Nikolaj Coster-Waldau e Joe Derrick, inspirado no livro “Two Against the Ice” de 1957. A obra, que não possui edição em português, narra a jornada do explorador dinamarquês Ejnar Mikkelsen entre 1909 e 1912. Coster-Waldau encarna Mikkelsen e mergulha nos relatos de liberdade do explorador, capturando a essência da luta entre coragem e medo. Acompanhado por Iver Iverson, interpretado por Joe Cole, o personagem busca os pertences de um conhecido doente que lhe confia essa missão, em um desempenho que adiciona um charme especial à trama. 

O filme habilmente entrelaça a estética visual com os ricos detalhes históricos extraídos do livro de Mikkelsen. A narrativa começa no início do século 20, quando os Estados Unidos reivindicavam uma porção de terra além do território dinamarquês. Diante dessa ameaça, o primeiro-ministro dinamarquês Niels Thomasius Neergaard, interpretado por Charles Dance, financia uma expedição para mapear essa região. A missão, liderada por Ludvig Mylius-Erichsen, é tragicamente mal-sucedida, com os homens sucumbindo às condições extremas do clima, marcado por tempestades de neve e ventos que exacerbam o frio penetrante. 

Mikkelsen, ao contrário de Mylius-Erichsen, tem mais sorte e encontra os registros de sua equipe após um retorno desafiador ao navio Alabama. Ele e Iverson, unidos pelas circunstâncias, formam uma dupla improvável. Iverson, anteriormente apenas familiarizado com máquinas, é desafiado por um ambiente totalmente estranho, tratado com severidade nos treinamentos de sobrevivência, incluindo a dolorosa lição de que os huskies podem se tornar alimento em situações críticas. 

A conexão entre Mikkelsen e Iverson é acentuada contra esse contexto histórico meticulosamente construído. Flinth cria uma obra que harmoniza os elementos cinematográficos, destacando-se a direção de fotografia de Torben Forsberg. O filme, deliberadamente pausado, enfrenta desafios ao tentar replicar as reviravoltas típicas do gênero. Esta abordagem resulta em momentos de aceleração narrativa desajeitados, seguidos por um retorno abrupto ao ritmo anterior, uma escolha que coloca o desenvolvimento biográfico em um plano secundário, permitindo que a dinâmica entre os protagonistas brilhe, especialmente devido à atuação de Joe Cole. 

O desfecho tenta uma conclusão otimista, introduzindo um elemento romântico que parece deslocado, mas não tira o mérito da experiência geral do filme. “Contra o Gelo”  se destaca por sua execução meticulosa e o comprometimento de Flinth, Cole e Coster-Waldau, garantindo que a obra, apesar de suas imperfeições, seja digna de atenção. 


Filme: Contra o Gelo 
Direção: Peter Flinth 
Ano: 2021 
Gênero: Drama/Aventura/Biografia 
Nota: 8/10