Romance fofinho na Netflix é antídoto contra a tristeza e mau humor

Romance fofinho na Netflix é antídoto contra a tristeza e mau humor

O tempo avança — ou retrocede, a depender da perspectiva —, mas existem aquelas franjas da realidade que preservam-se exatamente iguais, como se congeladas no espaço que os anos reservam a verdades tão fortes que encerram-se em si mesmas.

Quase por acaso, “As Semanas Mágicas”, na Netflix, reafirma um dos raros pensamentos que consegue atravessar a bruma corrosiva que vai reduzindo tudo a uma massa amorfa e cinzenta e se estabelece como o princípio que deixa a sensação de estar sempre muitos níveis acima dos pedestres ramerrões pelos quais a humanidade se deixa arrastar com alguma frequência: as tantas dificuldades não têm o condão de arrefecer o sonho de mulheres e homens, nessa ordem, de sentir-se menos pó e quiçá eterno mediante seus filhos.

Plena de notas dramáticas muito sutis, a comédia romântica de Appie Boudellah e Aram van de Rest vai, sem nenhuma pretensão, dando uma cravo e outra na ferradura ao elencar situações em que casais passam do Céu ao inferno graças a uma escolha nada fácil, que leva tristezas e as substitui por outras agonias, e ainda assim continua a ditar os rumos de sociedades mundo afora.

Quase sempre, a convivência entre pais e filhos é, cheia de idas e vindas, altos e baixos, situações em que a parte mais velha desaconselha muitas das atitudes que definem e justificam a existência de quem responde pelo lado mais novo. O roteiro, de Appie e Mustafa Boudellah e Maikel Nijnuis, investiga o desencontro dessa relação tão sui generis do comecinho, quando as crianças ainda são pequenas o bastante para ignorar o desespero de quem se achava pronto para guiá-las pelos mistérios do existir, mas se descobre quase tão imaturo e sem defesa quanto aquelas adoráveis bolinhas de carne.

Na primeira sequência, Anne, a advogada cuja carreira está sempre prestes a decolar vivida por Sallie Harmsen, dá à luz Mia, sua filha com Barry, de Soy Kroon, dentro de uma banheira na casa dos dois, não sem boa dose de sufoco. Pano rápido, e os diretores mostram outras modalidades de sofrimento em que os bebês são protagonistas nada discretos, malgrado não tenham qualquer responsabilidade: Ilse, uma dona de casa até então serena, parece estar sofrendo de uma leve crise existencial ao se deparar com as imposições do marido, o muçulmano Sabri, quanto à educação do rebento, cujo nome, se se Fred ou Mohammed, é motivo da primeira grande controvérsia entre os dois.

A subtrama encabeçada por Yolanthe Cabaue Iliass Ojja é, sem dúvida, a melhor coisa em “As Semanas Mágicas”, adaptado do best-seller holandês de mesmo nome de Frans Plooij e Hetty van de Rijt (1944-2003), bíblia infantil sobre o desenvolvimento mental de recém-nascidos há décadas, em que os autores fazem um apanhado de crônicas com apontamentos médicos para pais de primeira viagem.

A história avança, e Kim e Roos, o casal de lésbicas interpretado por Katja Schuurmane Sarah Chronis se vê às voltas de uma terceira gravidez, todas patrocinadas pelo esperma de Kaj, o tipo irresponsável encarnado por Louis Talpe, numa comédia nonsense, mas divertida. E até comovente.


Filme: As Semanas Mágicas
Direção: Appie Boudellah e Aram van de Rest
Ano: 2023
Gêneros: Romance/Comédia/Drama
Nota: 8/10