Filme indicado a 70 prêmios e considerado um dos melhores suspenses dos últimos 3 anos está na Netflix Parisa Taghizadeh / Focus Features

Filme indicado a 70 prêmios e considerado um dos melhores suspenses dos últimos 3 anos está na Netflix

O problema de Eloise Turner, a protagonista de “Noite Passada em Soho” não está relacionado a sua identidade, mas, sim, em adequar os desejos de que não pode abrir mão a sua essência, contrariando o que o mundo lhe reserva, a imagem de uma garota antenada, cujos gostos estão milimetricamente alinhados às regras que um sabido qualquer ditou. No suspense tragicômico de Edgar Wright, com texto assinado por ele e a corroteirista Krysty Wilson-Cairns, há espaço para uma torrente de alusões à cultura pop, mormente aos primórdios do rock e do punk da Londres da segunda metade dos anos 1960, o que enche o filme de vigor e do agradabilíssimo gosto vintage que calha tão bem à personalidade de sua mocinha — até que uma virada meio brusca ameaça colocar tudo a perder.

A mudança para a capital da Inglaterra, onde vai com o propósito de estudar moda, é celebrada por Ellie e a avó, Peggy, de Rita Tushingham como a própria encarnação da doçura. Ellie começa a enfiar na mala a vastíssima coleção de discos, fazendo questão de deixar claro que não tinha pretensão alguma de voltar — e sem saber que a rotina de adultos nunca é flexível o bastante para que se consiga ouvi-los. A garota chega a Londres com a fome de vencer tão característica dos jovens, e com a mesma intensidade, em andanças pelo feérico bairro mencionado no título, vai ao extremo oposto e é tragada para o mais vil dos meandros da sordidez humana, uma conjuntura nova e inesperada com que tem de aprender a lidar rápido. 

No primeiro contato com as novas colegas pensa que fará grandes amizades, perseguindo a quimera de ser feliz, talvez já dando-se conta, malgrado sua obstinada inocência, que o mundo é, como na caverna de Platão (428 a.C — 348 a.C), apenas um simulacro das projeções muito íntimas de cada um, de conceitos eivados de nossas próprias e mais diversas idiossincrasias, as mesmas que mantêm-nos mais e mais encafuados em nossos sonhos e delírios. Naquela mesma noite, entretanto, numa festa com a turminha liderada por Jocasta, despede-se do jeito mais melancólico das ilusões de ser querida. Nesses primeiros minutos, a rivalidade entre as personagens de Thomasin McKenzie e Synnøve Karlsen dá o tom, mas o diretor guarda para sua estrela um pouco mais de brilho. Resgatando a doçura de Tom, a protagonista de “Sem Rastros” (2018), de Debra Granik, e acrescentando-lhe uma dose de surpreendente maturidade, McKenzie acha o contraponto perfeito na Sandy de Anya Taylor-Joy, papel acerbo de uma história sofisticada e que apela à boa vontade do espectador. Como a vida em muitas ocasiões.


Filme: Noite Passada em Soho
Direção: Edgar Wright
Ano: 2021
Gêneros: Terror/Mistério/Comédia
Nota: 9/10