Tendo Roma como cenário, comédia romântica sobre a busca pelo amor é o filme mais subestimado da Netflix Divulgação / Netflix

Tendo Roma como cenário, comédia romântica sobre a busca pelo amor é o filme mais subestimado da Netflix

A falsa necessidade que as relações têm de serem perfeitas em tempos de exposição patológica desafia o cinema. São cada vez mais raros os filmes que lidam de forma madura com as tantas fragilidades dos envolvimentos amorosos, e quando tal efeméride ocorre, discorrendo sem subterfúgios acerca de duas pessoas dispostas a estar juntas, sem terceiras e sub-reptícias intenções, uma estrela torna à vida no olimpo dos humanos romances.À primeira vista, o argumento soa pouquíssimo emocional, mas “Mesa Para Quatro” antes de ser um filme de amor, preza pelo realismo. Alessio Maria Federici não quer saber das pieguices costumeiras do gênero.

Tomando por base o roteiro preciso de Martino Coli, o diretor não deixa espaço para conversas sobre almas gêmeas, amor eterno, fidelidade e outras bobajadas de um tempo morto, diligentemente vendidas por uma Hollywood cínica, que para chegar onde chegou teve de abafar os casinhos inconsequentes entre atores e atrizes comprometidos com outras pessoas, além de varrer para debaixo do tapete escândalos de atrizes solteiras que engravidavam de atores casados e eram convencidas pelos donos de estúdios a abortar, uma constante na Era de Ouro do cinema, entre os anos 1920 e 1960 — isso para não falar do assédio desses mesmos donos de estúdios e produtores influentes a atrizes iniciantes ou consagradas, que infestava o noticiário até outro dia.

O europeu — e sobretudo o italiano — lida com suas emoções de um jeito menos solene, até leviano, se se quiser. Carreira, autonomia, liberdade e os laços que se formaram antes do namoro, nessa ordem, não são negligenciados só por causa de uma febrícula passional qualquer, e os personagens o deixam muito claro. Durante um jantar de amigos em comum, Matteo, interpretado por Matteo Martari, e Dario, de Giuseppe Maggio, são apresentados a Giulia, vivida por Matilde Gioli, e Chiara, personagem de Ilenia Pastorelli.

Esse é o gancho de que Federici se vale para amalgamar as subtramas umas às outras, provocando uma confusão deliberada no público e conduzindo a narrativa de maneira impressionantemente ágil e sem chance para a hipocrisia e o sentimentalismo. Num piscar de olhos, Giulia, que a princípio era namorada de Dario, passa a sair com Matteo, que começava a se interessar por Chiara. O espectador não reconhece o truque de imediato, e o diretor aproveita para tentar persuadi-lo de que a vida de seus protagonistas teria sido melhor caso suas escolhas apontassem para outros caminhos, pelo menos no que diz respeito ao trapaceiro amor.

Sofisticada sem descambar para o artificioso, a direção de Federici consegue fazer com que os arcos dramáticos se repitam, dando a sensação de falta de sintonia entre os casais, sem jamais validar esta ou aquela opinião sobre se agem certo ou errado. Talentoso e entrosado, o elenco por seu turno não permite que o longa vire uma das tantas comédias românticas hollywoodianas que critica, conscientemente ou sem querer, dando ainda mais energia à natureza de sátira encampada pelo diretor. A única defesa patrocinada pelo filme, óbvia, é a de que vive-se o amor que se é capaz de viver, isto é, a relação perfeita para um individuo pode ser extraordinariamente aflitiva para outro. Só há amor se nos reconhecemos nele.

Embaralhar os dois eixos narrativos do que é contado, imprimindo cadência à trama — que às vezes acelera sem prévio aviso —, mostra-se um recurso sagaz do diretor, mas o maior trunfo de “Mesa para Quatro” é mesmo incluir quem assiste na brincadeira. A dada altura, o espectador se sente tão personagem quanto Matteo, Dario, Giulia e Chiara, vibrando com as reviravoltas de cada um, sem conseguir resolver sobre para quem vai sua torcida. Martari, Maggio, Gioli e Pastorelli entendem a proposta e dão ao filme seu providencial aspecto caótico, numa denúncia sutil eácida do que é ter a pretensão de levar a sério um compromisso neste insano século 21.


Filme: Mesa para Quatro
Direção: Alessio Maria Federici
Ano: 2021
Gêneros: Comédia romântica/Romance
Nota: 9/10