O filme mais subestimado da Netflix

O filme mais subestimado da Netflix

Rapazes choram, sim, moças podem ser o que quiserem e o ensino médio se constitui uma fase ao longo da qual uns e outras são instados a superar os desafios tão próprios dessa época da vida, como se numa daquelas gincanas que todos achávamos divertidíssimas até dez anos atrás.

“Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta” tem um inegável lado retrô — sobretudo para quarentões que se lembram com carinho e com os travos de amargura naturais que a experiência acrescenta à lembrança —, mas nem por isso deixa de se parecer com uma máquina do tempo em que se também se viaja para frente, vislumbrando-se possibilidades de dias menos sombrios para minorias cada vez mais atentas.

Amy Poehler é uma figura onipresente em “Moxie”; a diretora se alterna num dos papéis centrais enquanto supervisiona câmeras e reforça as últimas marcações, num trabalho autoral sobre o romance homônimo da americana Jennifer Mathieu publicado em 2017. O roteiro de Mathieu, Tamara Chestna e Dylan Meyer sustenta-se no tripé composto pelo núcleo jovem, as inserções nunca gratuitas de Poehler, uma espécie de superego da moçada e o modo engenhoso como a trama se desdobra por si mesma até resolver cada um dos vários fios narrativos acerca de temas urgentes — com algum proselitismo, mas também com leveza.

Há algo de podre no colégio onde Vivian estuda, malgrado no começo ninguém, nem o distinto público, possa notar nada de extraordinário. A garota não se reconhece mais em meio às figuras com quem tem passado boa parte de sua vida, desajuste que a abertura, mediante uma longa e poética cena em que ela vai se aproximando do pórtico que separa as dependências da escola do jardim e olha para aqueles rostos e aquelas silhuetas e uma porção deles já não lhe dizem coisa alguma.

Essa menção, voluntária ou proposital, a “As Patricinhas de Beverly Hills” (1995) tem toda razão de ser, e, aos poucos, Poehler vai conferindo identidade própria ao filme, sempre reste um ponto de contato qualquer entre seu trabalho e o novíssimo clássico de Amy Heckerling. Muito da personalidade de “Moxie” deve-se à interpretação atenta, potente, mas delicada, de Hadley Robinson, que compra briga com Deus e o mundo, pelos ideais que descobre indissociáveis da vida que deseja levar até a eternidade, casualmente revirando um baú de quinquilharias muito pessoais, idiossincrásicas até, da mãe, Lisa, com Poehler no pleno domínio das nuanças tão diversas da personagem.

Vivian dá início a sua cruzada pelo livre pensamento e pela reafirmação da força perdida da mulher investindo contra Claudia, a melhor amiga encarnada por Lauren Tsai, que prefere usar todo o tempo disponível para estudar e tirar dúvidas, visando a uma colocação numa boa universidade.

Esse primeiro conflito justifica o rumo um tanto desordenado da história, mormente no segundo ato, com a entrada de uma pletora de coadjuvantes, o que termina por robustecer o argumento inaugural. “Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta” parece um clipe estendido de uma banda garageira dos anos 1990, e não por acaso o punk rock da banda americana Bikini Kill em “Rebel Girl” (1992) torna-se um vigoroso elo estético-semântico a unir as diferentes (e caóticas) partes do filme.


Filme: Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta
Direção: Amy Poehler
Ano: 2021
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10