Boca de livros

Boca de livros

— É aqui que vocês vendem…

— Shhh! É aqui mesmo. Tu quer o que?

— O que você tem?

— Ficção ou não ficção?

— Não sei…

— Tem que ser rápido, porra!

— Tá! Ficção!

— Clássico ou moderno?

— Ah deixa eu pensar…

— Rápido, cacete!

— Clássico! Clássico!

Chega um policial.

— Parados aí! Mãos pro alto!

— Calma, doutor, a gente só tá batendo um papo.
— Não enrola não! Tu estava vendendo livros pra mané aí, não estava?

— Que isso, seu guarda? Eu só estava vendendo um pozinho pro cara aqui. — O traficante fala.

— É, eu só estava querendo comprar pó… — O cliente confirma.

— Você cala a boca! — O guarda grita para o cliente. Então começa a tratar com o traficante:

— Tá pensando que eu sou otário? Tô sabendo que você anda vendendo livro aqui.

— Não é livro pra ler não! — O cliente fala — Eu só ia usar o papel para enrolar uns baseados!

— Já falei pra ficar quieto! — O guarda grita. — É livro pra ler sim. Você tem a maior cara de consumidor de livro.

— Tá, mas era só um livrinho de autoajuda, não vai fazer mal…

— Não interessa! É assim que começa, depois da autoajuda vai querer ler romance, poesia, livro de ensaios. É perigoso, uma viagem sem volta!
— Que isso, seu guarda? Será que não dá pra o senhor deixar pra lá, fingir que não viu? — O traficante propõe.

— Por acaso você está querendo me corromper?

— Não! Que isso?

O guarda pensa um pouco.

— O que é que você pode fazer por mim? — Ele pergunta.

— Pô, eu tô sem grana… Mas será que o senhor não aceita em mercadoria?

— Não me vem com micharia de pó ou maconha!

— Não, coisa boa! Eu posso te dar um livro e o senhor me libera…

— Um livro?

— É. Do bão!

— Tá, pode ser. O que é que você tem aí pra mim?

— Ficção ou não ficção?

— Ficção.

— Clássico ou moderno?

— Clássico.

— Tem Machado de Assis. Quer “Dom Casmurro” ou “Memórias Póstumas de Brás Cubas”?

— Me dá os dois!

— Pô, seu guarda! Assim você me quebra!