Filme digno de Oscar, que foi aplaudido de pé nos cinemas, está na Netflix, mas pouquíssimas pessoas assistiram Divulgação / Protagonist Pictures

Filme digno de Oscar, que foi aplaudido de pé nos cinemas, está na Netflix, mas pouquíssimas pessoas assistiram

A sensação que o público leigo tem é que vem se tornando mais e mais comuns os filmes sobre garotos e garotas implicados nos problemas típicos dessa fase da vida, por sua própria culpa ou como se empurrados, pelas circunstâncias, por decisões equivocadas, companhias duvidosas ou tudo isso.

Taika Waititi tem um olhar perspicaz sobre as crianças. O neozelandês parece ter descoberto um filão relativamente inexplorado — ou esquecido —, ao qual acresceu boa dose de fantasia, o que não significa enredos tolos, fáceis, que resolvem-se por si mesmos como se por encanto. Waititi inaugurou essa empreitada com “Boy” (2010), a história de um menino dos anos 1980 que se dá conta de que o pai não é o herói que imaginava; cerca de uma década mais tarde, ninguém ficou indiferente ao charme opressivo de Elsa Korr, a pequena mártir judia que dribla o Holocausto nazista em “Jojo Rabbit” (2019).

Entre um e outro, o sublime “A Incrível Aventura de Rick Baker” encanta pelo que diz, mas principalmente pelo que deixa apenas subentendido, uma arte sofisticada que o diretor tem o poder de dominar como poucos, no conteúdo, mas também na forma.

Rick Baker, o mocinho desajustado do título, está à beira do abismo. Aos catorze anos, Rick coleciona passagens por famílias que o adotaram, mas que foram obrigadas a se desfazer dele, já é um velho conhecido das autoridades graças a infrações como vadiagem e depredação de patrimônio público e privado, e agora está na mira de funcionários da Justiça que podem encontrar uma brecha na lei a fim de despachá-lo para um reformatório mais linha-dura.

Sua última chance é a medida que Paula, a conselheira tutelar vivida por Rachel House, encontra para contemplar seu caso da forma mais branda, valendo-se de uma lei recém-promulgada. Assim, o garoto vai parar na casa de Bella e Hec, os caipiras de Rima Te Wiata e Sam Neill, um casal sem filhos da zona rural de

Wellington que não se intimida com cavalos selvagens ou moleques desaforados. O roteiro, de Waititi e Tearepa Kahi, vai ajustando “Wild Pork and Watercress” (“porco selvagem e agrião”, em tradução literal, de 1986), livro do neozelandês Barry Crump (1935-1996) no qual o longa é inspirado, de modo a exaltar as necessidades verdadeiras e enganosas de um rapazote deste nosso insano século 21.

Em tudo quanto pensa fazer, Rick é apoiado pela nova mãe, até que acaba fugindo para a floresta, por motivos que convêm permanecer velados. Esse é o gancho de que o diretor se vale para entrar, afinal, no que interessa e tecer, com seu estilo único, a crítica mordaz a uma sociedade que segrega e anatematiza pessoas só porque não se encaixam em padrões rígidos demais.

A expedição involuntária de Hec e Rick pela selva neozelandesa é uma metáfora quase fantástica sobre autoconhecimento e redenção pelo amor, segmento em que Neill levanta a bola para que Julian Dennison corte com violência e graça em igual proporção. “Sinnerman” (1962), a balada suave feito um punhal na voz de Nina Simone (1933-2003), embala os sonhos desse rebelde com muitas causas, e o público, Rick mereça ou não, vai com ele.


Filme: A Incrível Aventura de Rick Baker
Direção: Taika Waititi
Ano: 2016
Gêneros: Comédia/Aventura/Coming-of-age/Road movie
Nota: 9/10