Suspense sueco que acaba de estrear na Netflix vale cada centésimo de segundo do seu tempo

Suspense sueco que acaba de estrear na Netflix vale cada centésimo de segundo do seu tempo

Não se sabe se Ingmar Bergman (1918-2007) ficaria orgulhoso de “O Abismo”, mas que o filme de Richard Holm é um símbolo do novíssimo cinema sueco — e, mais importante, de suas nada modestas pretensões — não restam dúvidas. A história de uma cidadezinha no extremo norte do país ameaçada por um inimigo que se esconde nos intestinos da terra vem a lume numa produção grandiosa, o primeiro filme-catástrofe sueco, entregue ao diretor por seu bom desempenho em “Gåsmamman” (2015–2019) e  “Maskineriet” (2020), séries de televisão que mesmerizaram seus exigentes compatriotas.

Holm aproveita ao máximo a beleza melancólica dos cenários naturais da Suécia e de Tampere, na Finlândia, realçados pela fotografia cheia de brancos e cinzas de Anssi Leino, para lembrar seus espectadores dos perigos de não se respeitar as imposições da natureza, que responde sem nenhum compromisso com proporcionalidade e tanto menos justiça: acabamos pagando todos, a despeito das posturas ambientalmente que tenhamos adotado ao longo da vida.

O diretor e seus corroteiristas, Robin Sherlock Holm e Nicola Sinclair, elegem uma heroína na qual despejam o pânico de uma comunidade atarantada diante da possibilidade de ser engolida pela fenda gigantesco que se levanta em direção à superfície, e cabe a ela salvar essa gente inculta e covarde, numa corrida contra o relógio que dá uma cadência adequadamente caótica à trama.

À medida que se vive, mais se cristaliza em nós a ideia de que a vida é um curioso desafio, em que vencida cada etapa, impõe-se-nos a seguinte, e mais outra, e outra ainda, até que essas mil situações que mais parecem testes a nossa resistência, se tornem para nós a fonte mesma do que podemos ter de mais genuíno, a capacidade de suportar a incerteza fundamental que cobre tudo, desfaz dos planos mais ordinários com que nos atrevemos a sonhar, atropela com brutal violência o que julgamos precioso e sobrepuja-nos seu caráter sobranceiro, de pesada sombra que eclipsa qualquer luz, do funesto que macula de castigo hediondo a salvação possível e aturde-nos mesmo no que temos de mais indevassável, que pensávamos só nosso, nos detalhes de nós mesmos que julgávamos conhecer tão bem, reafirmando estar sempre muito certa do domínio que exerce sobre todas as criaturas.

Em 1961, a Suécia já havia passado por hecatombe parecida, em Dalarna, Idkerberget, e agora, transcorridos sessenta anos, o desastre periga se repetir, em escala inédita e verdadeiramente monstruosa. Em Kiruna, pouco mais que um vilarejo que vive da exploração de ferro, Frigga, a gerente de segurança da mina Kiirunavaara, a principal reserva de Kiruna, enfrenta a resistência de Tage, o ex-marido interpretado por Peter Franzén, enquanto tenta manter Dabir, o parceiro atual, de Kardo Razzazi, longe desse quiprocó.

Como se não bastasse, na esteira de seus enroscos amorosos, é a primeira a saber que o chão sob seus pés literalmente balança, e diante da inépcia das autoridades, será ela mesma quem deverá agir. Tuva Novotny encarna o papel da mocinha tomada de crises existenciais que redescobre o prazer da vida graças a um evento trágico, ocupando boa parte com sua atuação sempre emotiva (às vezes em excesso), mas a que ninguém fica indiferente. Nem mesmo a neve.


Filme: O Abismo 
Direção: Richard Holm
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Ação
Nota: 8/10