Inteligente e surpreendente, o tesouro do cinema francês indicado em 5 categorias do Oscar 2024 Divulgação / France 2 Cinéma

Inteligente e surpreendente, o tesouro do cinema francês indicado em 5 categorias do Oscar 2024

Enquanto Sandra (Sandra Hüller) toma vinho e tem conversas intelectuais com uma estudante de literatura que decide entrevistá-la, uma cena de crime se arma do lado de fora de sua cabana nos Alpes franceses. Uma música pop toca tão alto que não é possível ouvir se alguém grita. Até que uma criança cega de 11 anos, Daniel (Milo Machado Graner), encontra o corpo do pai ao lado da casa. A relação entre Sandra e o marido, Samuel (Samuel Theis), estava longe de ser perfeita. Mas o filme explora os paradoxos de uma relação conjugal que nos deixa divididos sobre a culpa ser ou não de Sandra quando a morte de Samuel começa a ser investigada.

Dirigido por Justine Triet, que coescreveu o texto com seu companheiro Arthur Harari, o longa-metragem é uma investigação da verdade, de um crime (ou não) e de um casamento. Samuel caiu da janela do sótão. A queda, proposital ou não, pode tê-lo provocado uma lesão letal na cabeça. Um inquérito inconclusivo deixa em aberto a possibilidade de ele ter sido empurrado. Sob a desconfiança da promotoria, ela é acusada pela morte do marido, colocando sob uma lupa todas as crises mais íntimas e secretas do casal.

Este suspense de tribunal se arrasta lentamente e de forma escorregadia. Cada verdade exposta pode ser uma prova da inocência ou da culpa de Sandra. Os casamentos podem ser complicados demais para ser compreendidos apenas com a narração dos fatos ou uma versão de um lado da história. Cada parte tem sua parcela de verdade e de culpa. Mas o que é fato? É isso que Triet nos desafia a descobrir.

À princípio, a inocência de Sandra parece indubitável. Ela é tão honesta, aberta e responde com tanta clareza e naturalidade algo que parece ser verdadeiro e identificável, que todo este processo parece uma enorme injustiça. Ao longo do julgamento, tantos momentos de fraqueza, rancor e vingança são expostos que as dúvidas começam a surgir. Mas todas essas coisas não estão presentes em qualquer relacionamento? Até mesmo trechos de livros publicados por ela são usados pelo promotor para incriminá-la.

Sua situação se agrava quando o filho, Daniel, que acompanha ao julgamento da mãe começa a ter crises morais sobre o que supostamente aconteceu. Ele começa a duvidar de sua própria memória e os discursos que ele escuta no tribunal o faz repassar à mente tudo que vivenciou co os pais. Ele próprio começa a duvidar da mãe.

Os filmes de tribunal, mais que qualquer outro gênero, exigem bons diálogos, tramas inteligentes e intrigantes, um desenvolvimento que consiga prender ao invés de desviar nossa atenção. Mas Triet e Harari escrevem a trama aqui de forma tão extraordinária que até mesmo a forma de eles abordarem os flashbacks são mais interessantes e marcantes.

Não há um único diálogo desperdiçado aqui. Até mesmo os argumentos utilizados pelo promotor (Antoine Reinartz) são brilhantes, convincentes, deixam o espectador com a pulga atrás da orelha. As falas de Daniel são ingênuas e, ao mesmo tempo, relevantes demais, capazes de definir cenas. As atuações são realmente incríveis e é inimaginável que o jovem ator Milo Machado Graner tenha sido escolhido tão de última hora.

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o longa-metragem disputa cinco estatuetas do Oscar, nas categorias de melhor filme, melhor direção,  melhor atriz, melhor roteiro original e melhor edição.


Filme: Anatomia de uma Queda
Direção: Justine Triet
Ano: 2024
Gênero: Drama/Suspense
Nota: 10