Adaptação de Stephen King, que acaba de chegar à Netflix, fará você se contorcer no sofá e não o deixará piscar Divulgação / Dimension Films

Adaptação de Stephen King, que acaba de chegar à Netflix, fará você se contorcer no sofá e não o deixará piscar

O casamento de Stephen King com o cinema talvez seja o caso de amor mais prolífico da história da cultura pop. O ano de 2017, que marcou a passagem dos setenta anos de King, em 21 de setembro, parece ter sido eleito, de caso pensado ou não, como a pedra fundamental de um merecido revival da carreira do mais bem-sucedido escritor da (comercialíssima) literatura dos séculos 20 e 21, e o interesse por suas histórias de suspense e terror psicológico (ou nem tanto) voltou com todo o gás — se é que algum dia arrefecera. “It — A Coisa” com seu palhaço metafísico, sob o comando de Andy Muschietti; “A Torre Negra”, saga sobre um delinquente em busca de lugar no mundo, rodado por Nikolaj Arcel; “Jogo Perigoso”, de Mike Flanagan, thriller que se ocupa das neuras perversas de um casal entediado; e “1922”, onde Zak Hilditch expõe a monstruosa avareza de um rancheiro de Nebraska, arrastaram cada um centenas de milhões de espectadores às salas de cinema do mundo todo, mas dez anos antes, era “O Nevoeiro” quem entorpecia a plateia.

Outro dos discípulos kinguianos na tela grande — quiçá o mais fiel —, Frank Darabont combina um fenômeno aparentemente natural à uma manifestação do bicho homem de que King sempre gostara de se ocupar, o faz com raro talento e louvável sutileza. Junto com Darabont, o romancista adapta “The Mist” (1980), novela em que funde horror e ficção científica como só ele mesmo consegue nos nossos dias, de modo a enaltecer a vocação filosófica de seus livros, que nunca se furtam a meter o dedo em chagas que não podem sarar.

Num pacato vilarejo insular do Maine, um homem ganha a vida pintando pôsteres para produções audiovisuais que manda para Portland, cidade onde King nasceu. David Drayton é a perfeita tradução do americano tranquilo, até ficar particularmente ressabiado com uma árvore que chocara-se contra sua janela na noite anterior, interditando o fornecimento de luz e fazendo com que tivesse de parar o trabalho no meio.

Thomas Jane encarna um anti-herói pacífico, mas atormentado com alguma má lembrança de que não consegue se livrar, talvez reavivada pelo fato de ter sido o avô dele quem semeara a planta. Enquanto conversa amenidades com Sally, a esposa vivida por Alexa Davalos, e Billy, o filho dos dois, de Nathan Gamble, observam uma imensa névoa se deslocar das montanhas para a ilha, resultado do encontro algo violento de duas massas de ar, evento atmosférico raro, mas já experimentado por David antes. Não demora para que a bruma se espalhe, trazendo insetos furiosos maiores que gatos, o que obriga que os moradores se refugiem na mercearia da rua principal, e passem a ter de enfrentar mais um gênero de problema. 

“O Nevoeiro” poderia transcorrer inteiro neste cenário claustrofóbico, no qual vaidades e outros pecados, miúdos e grandes, vêm à tona. David reivindica a liderança do grupo disputando com a senhora Carmody de Marcia Gay Harden e seu discurso messiânico e hipócrita, enquanto ninguém controla a peste, nem o exército, instalado ali há um bom tempo, dedicado a um tal projeto Ponta de Flecha, uma série de pesquisas com mísseis. O desfecho apocalíptico corrobora a perspectiva tenebrosa de King ante uma sociedade viciada em si mesma, denunciando as humanas misérias como fizera textualmente, no incomparável “Louca Obsessão” (1990), de Rob Reiner.


Filme: O Nevoeiro
Direção: Frank Darabont 
Ano: 2007
Gêneros: Ficção científica/Terror 
Nota: 8/10