Favorito ao Oscar 2024, filme de 18 minutos da Netflix vai mudar sua forma de enxergar a vida Divulgação / Netflix

Favorito ao Oscar 2024, filme de 18 minutos da Netflix vai mudar sua forma de enxergar a vida

A única certeza com que o homem conta numa vida longa ou curta demais, feliz ou desditosa, é que a morte ou o observa, com raiva ou serena, em toda curva da estrada. Ninguém resiste incólume aos solavancos do existir, bem como nunca vai se estar livre dos transtornos que a indesejada das gentes lança sobre a cabeça de cada um, e a reação aos seus desmandos é, muitas vezes, imprevisível, morosa e, sobretudo, doída.

Em “E Depois?”, um homem que se dedica a superar uma grande perda, mas paralisado pela dor, atravessa Londres como o espectro de si mesmo, até que enxerga uma razão para virar a página. Com trabalhos mundialmente reconhecidos pela sensibilidade e ativismo social, o fotógrafo Misan Harriman se arrisca numa estreia promissora, com um enredo que se resolve em impressionantes dezoito minutos, vencedor do prêmio de Melhor Curta de Ação ao Vivo no HollyShorts Film Festival e já considerado um dos favoritos ao Oscar de Melhor Curta-Metragem, junto com “A Incrível História de Henry Sugar” (2023), a mágica adaptação de Wes Anderson para o conto do escritor britânico Roald Dahl (1916-1990).

Harriman leva para a tela percepções bastante sutis do mundo funestamente indevassável de seu protagonista, um homem negro, mas que poderia ter na pele qualquer outra cor, incapaz de lidar com o trauma que o consome. Até que a esperança cai do azul. 

Faz tempo bom na cidade e Dayo e Laura dão um passeio sem hora para acabar, deixando-se absorver pelo típico charme londrino. Eles descem uma escada, parecem ensaiar um número de dança, se divertem genuinamente, como só um pai e uma filha conseguem, ele sem qualquer receio de demonstrar seu afeto e sua delicadeza.

Junto com o corroteirista John Julius Schwabach, Harriman corta a leveza da cena mencionando quase sem que se note a premonição tétrica de Dayo, que o supino talento de David Oyelowo torna ainda mais enigmática, e um segundo depois ele já avisa à garota que vai comparecer a uma apresentação que ela fará na escola.

Mais intuitiva, porém igualmente marcante, a atuação de Amelie Dokubo disfarça a tragédia que se sucede no quadro seguinte, quando Amanda, a mãe e esposa vivida por Jessica Plummer, também desponta na narrativa. Cogita-se um ataque motivado por razões de intolerância racial, mas não se pode afirmá-lo com toda a certeza necessária — nem o diretor quer enveredar por esse lado. Dayo pula em cima do agressor, que é arrastado por outros dois homens, e então resta sozinho, congelado em seu luto, perdendo tudo quanto importa — alegria, saúde, carreira — pelos anos seguintes.

Do segundo ato em diante, Oyelowo conduz seu personagem por uma jornada de autoconhecimento trabalhando como motorista, ouvindo com uma inquietação abafada os relatos de seus passageiros em momentos espinhosos (sem nunca tomar parte, claro) e fugindo dos encontros agendados pelo serviço de assistência social. Sabiamente, porque no carro é que está sua cura, como mostra a última cena, metáfora repleta de lirismo que Harriman elabora a fim de sugerir que seu herói venceu-se a si mesmo. Esperou muito, mas recebeu da vida sua compensação.


Filme: E Depois?
Direção: Misan Harriman
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 10